Teatro
GRALHA BRANCA ou ensaio sobre o racismo institucional
Por Vanessa R Ricardo
Segunda-feira, 11, aconteceu no Guairinha a premiação da 40ª edição do Troféu Gralha Azul, considerada a maior premiação do teatro paranaense.
Se você está esperando um texto de cobertura do evento está muito enganado. Vou apontar as muitas problemáticas do prêmio que tinha entre seus objetivos depois de três anos sem acontecer, trazer mais visibilidade e representatividade ao teatro paranaense. Mas a representatividade infelizmente ficou mesmo apenas na apresentação e na figuração. No final de tudo, o que foi visto, foi um pouco mais do mesmo.
A festa que começou de forma inesperada e brilhante, com um cortejo que contou a presença do Bloco Afro Pretinhosidade, organizado pela atriz Isabel Oliveira, que reuniu os artistas negros indicados ao Gralha Azul. E teve como objetivo celebrar todos os artistas negros de Curitiba que foram impossibilitados de serem vistos e reconhecidos.
Pela primeira vez em sua história o Prêmio Gralha Azul teve entre os indicados 13 artistas negras e negros, sendo eles: Marcel Malê, indicado a categoria melhor ator pelo espetáculo “Língua em Revista” e direção por “Itan e Tal”; Isabel Oliveira, melhor atriz no espetáculo “Retilíneo”; Tiago Marques, melhor ator por “O Carteiro”; Elisan Correia e Maicon Moraes, atores coadjuvantes por “Tião: Projeto 31”; Léo Campos, direção por “Tião: Projeto 31”, Joseane Berenda, atriz coadjuvante de “Rádio Satimbancos”; Kamylla dos Santos, melhor atriz espetáculo para criança do “Itan e Tal”; André Daniel, melhor ator espetáculo para criança de “Itan e Tal”; Natan Gabriel Balaguer, iluminação de “Itan e Tal”; Ariel Rodrigues, sonoplastia e composição musical por “Cafés Malditos”; Carlos Canarin, dramaturgia por “Retilíneo”; e Kênia Coqueiro, indicada a maquiagem e caracterização pelo espetáculo “Itan e Tal”. “Retilíneo”, da Batalhão Cia de Teatro, concorreu a melhor espetáculo, assim como “Itan e Tal” do Grupo Baquetá, que foi indicado a melhor espetáculo para crianças. “Solo dos Mares” da Cia Nossa Senhora do Teatro Contemporâneo e “O Astrolábia” do Palhaço Ritalino também estavam concorrendo na categoria espetáculos online feitos durante a pandemia. Mesmo assim, tal fato sequer foi comentado pelos apresentadores durante a cerimônia.
Dos artistas indicados citados, apenas Natan Gabriel levou a estatueta por melhor iluminação, seguido por Tiago Marques, ganhou pela categoria espetáculo online O AstroLábia – Palhaço Ritalino e a Cia Nossa Senhora do Teatro Contemporâneo por “Solo dos Mares”. Também destaco aqui o prêmio da Trupe Periferia, do espetáculo online, Meninos da Rua XV e 3×4 – Retrato Social Brasileiro, o grupo é formado por jovens de diferentes regiões periféricas de Curitiba e Região Metropolitana, que trabalham a linguagem teatral, através do rap, slam e a poesia.
Conforme os nomes dos premiados iam sendo anunciados, a tensão no teatro aumentava, Telma Mello, ativista antirracista, questionava a cada anúncio a falta de representatividade negra, chamando a premiação de Gralha Branca. Parte da plateia e inclusive do corpo de jurados do prêmio, incomodada com as intervenções de Telma, deu um show de horrores, mostrando o racismo nu e cru, pedindo por diversas vezes que Telma se calasse pois estaria atrapalhando a cerimônia. A quem acredita que a classe artística por ser uma categoria progressista está livre de ser racista, mas mostra a verdadeira face quando é questionada pela falta de representatividade e pelo racismo institucional que permeia todos os lugares de poder.
Infelizmente a maior festa do teatro branco paranaense foi recheada por momentos lamentáveis, como o bate-boca de dois artistas já conhecidos da cena curitibana, tentando que Telma parasse com os questionamentos. Como se ela, por aparentemente não ser artista da cena, não tivesse o lugar de fala naquele espaço. Mas se não fosse ela, quem questionaria o racismo institucional?
Eu não quero ser injusta aqui, e menosprezar os sete prêmios direcionados ao Grupo Ás de Paus, de Londrina, que tem um trabalho incrível e dedicado a espetáculos de rua. E ao mesmo tempo me traz uma reflexão: o grupo do norte do estado continua sendo o único grupo de fora da capital a ganhar o troféu Gralha Azul. A coordenação da premiação precisa mais do que nunca pensar em mudanças, e caminhar de fato para um evento que prioriza as diferenças e a representatividade não como falácia, mas como ação política.
Mas é impossível não questionar a falta de prêmios para os grupos e companhias de teatro que se dedicam principalmente às pesquisas voltadas ao teatro negro, mostrando que o prêmio por vezes parece descolado da realidade sócio-histórica do qual faz parte, mas que está totalmente na ordem do dia com a postura colonial e racista presente na cidade de Curitiba. Cito aqui sobretudo o caso do Grupo Baquetá, que acabou de voltar do 14º FETAM (Festival de Teatro da Amazônia) com cinco prêmios, sendo o de direção para Marcel Malê, melhor atriz para Kamylla dos Santos, melhor iluminação para Natan Gabriel e sonoplastia para Nelson Sebastião.
O teatro paranaense e o prêmio Gralha Azul perdem feio quando não priorizam a representatividade de fato mas somente as aparências, pois não basta somente colocar apresentadoras negras para anunciar os vencedores, ou colocar uma cantora negra na banda, como bem disse o mestre de cerimônia Fábio Silvestre em cenas lamentáveis de cima do palco. É preciso que corpos dissidentes como negros, lgbtqiapn+ e periféricos não sirvam para somente aparecerem nos vídeos institucionais. É preciso que o discurso teórico seja revertido em ação, em mudança efetiva, para que de possamos criar outras imagens possíveis a corpos historicamente violentados, invisibilizados e afastados da prática teatral.