Opinião
A lista de “Todas as coisas maravilhosas” existe e o teatro (e essa peça) estão nela!
por Carlos Canarin (@carloscanarin)
Começou a 32ª edição do Festival de Curitiba, aquela época do ano de efervescência do teatro, dos encontros, das possibilidades, afinal. Abrindo os trabalhos da Mostra Lúcia Camargo, Kiko Mascarenhas trouxe seu solo “Todas as coisas maravilhosas” ao palco do Teatro Zé Maria, convidando o público presente a acompanhar a construção de uma lista com tudo aquilo de mais sensível e bonito que existe no mundo. Não apenas acompanhar, mas também participar da encenação assinada por Fernando Philbert, que convida a espectadora e o espectador a ser parte integrante da dramaturgia, compondo junto com Mascarenhas o desenrolar da história a ser contada.
Desde o início o ator nos informa que este é um espetáculo interativo, que pressupõe a nossa participação como uma “ajuda” para que as coisas possam acontecer. É como um pacto que ele quer selar conosco, tentando afastar o medo e ansiedade que daí normalmente insurgem – ora, quem nunca suou frio no teatro ao saber que teria interações com a plateia? Penso que isso é feito de uma forma bastante convidativa, pois como bem disse Kiko, a proposta é agir pelo acolhimento, tanto nosso com a peça, como ele enquanto intérprete junto a nós, que poderemos atuar em certos momentos junto com ele. Somos, assim, co-criadoras/es do espetáculo, parceiras/os, testemunhas e agentes; essa plateia-elenco é fundamental para que a ação cênica possa existir.
A encenação opta por seguir uma linguagem mais minimalista: a iluminação é estática, sem mudança alguma; o figurino é o mais próximo da realidade, como se fosse algo corriqueiro, do dia a dia do ator. Tudo está pautado no corpo-voz-olhar dele pelo espaço cênico, e na relação que este estabelece conosco. E tudo consegue ficar instaurado desde já pelo olhar acolhedor e sincero de Mascarenhas. Ele é daqueles caras que consegue atuar pelo olhar antes mesmo da fala, transmitindo uma mensagem ou uma sensação durante esse encontro de olhares. E de fato, “Todas as coisas” não exige uma encenação mirabolante e cheia de elementos. Ela funciona muito bem ao apostar sobretudo no encontro, no aqui e agora, e nas diferentes possibilidades que podem existir quando a dramaturgia pode escorregar da marcação, adquirindo outros brilhos, cores, vozes, corpos, olhares.
Em cena está a história de um rapaz cuja mãe sofre de depressão, e por vezes tenta tirar sua própria vida. Para tentar ajudá-la, ele cria uma lista com palavras e frases para mostrá-la e relembrá-la de que a vida pode ser, sim, bonita, maravilhosa. Desde sua infância até seu casamento (e futura separação), a personagem é atravessada pelas idas e vindas dessa lista e sua composição, como se na verdade essa listagem não fosse somente para sua mãe, mas também (e sobretudo) para ele mesmo.
Foi impossível não me emocionar em vários momentos, e atribuo isso em primeiro lugar às discussões que escorrem desse mote, principalmente sobre a relação entre pais e filhos e como acontecem coisas que nos marcam e nos moldam desde a infância, perdurando e nos assombrando por muito tempo. A dramaturgia me pega também por explorar referências musicais e imagéticas que me são muito familiares, que com certeza a maior parte do público só de escutar ou imaginar algo já consegue se envolver e ser tocado. Para mim, é um espetáculo que se propõe a articular as diferentes sensações que daí insurgem, para nos trazer ainda mais pra perto. E sem dúvidas consegue fazê-lo com êxito.
Por fim, reitero e parabenizo a plateia que pode compor junto com Kiko a primeira sessão de “Todas as coisas”, se mostrando uma plateia disponível, atenta, com vontade de jogar, tocar e ser tocada. O Festival de Curitiba inicia sua programação optando pelo acolhimento, pelo olhar sensível e pela escuta atenta, fazendo “Todas as coisas maravilhosas” ser uma ótima e tocante largada.
Ah, e acho que vou ficar com “Only You” do The Platters na cabeça a semana toda…