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Teatro

Top 10 melhores espetáculos de 2023

Publicado

em

por Carlos Canarin

Quem acompanha o Jornal A Cena sabe que pude assistir muitas coisas neste ano que acaba daqui uns dias, tanto em Curitiba, quanto em São Paulo. Para comemorar a chegada de 2024 e também fazer uma revista do ano que passou, elaborei uma lista de dez produções que me marcaram e me mobilizaram a pensar e sentir o teatro de outras formas. São produções diversas, que marcam a pluralidade de formas e estéticas no teatro contemporâneo, seja no palco à italiana, seja na rua; seja um teatro focado na dramaturgia escrita, seja performático; seja um teatro militante, seja simplesmente o foco no encontro entre intérpretes e espectadoras e espectadores.

Dito isso, vamos à lista.

10°) “Anjo Maldito” da Cia Nossa Senhora do Teatro Contemporâneo (PR)

Dirigida por Mauricio Vogue e com dramaturgia a partir da obra do francês Jean Genet, “Anjo Maldito” traz à cena duas personagens em tensão, seja ela sexual, seja ela puramente violenta e fruto da sociedade na qual estão inseridos. Com enfoque na racialidade devido à luta antirracista de Genet, em cena acompanhamos o excelente entrosamento de Glayson Cintra e Lucas dos Santos, que exploram um jogo quase cinematográfico – e extremamente brutal. Na torcida para que voltem para mais uma temporada em Curitiba, que aliás foi realizada na carpintaria do Teatro Guaíra.

9°) “Menina Mojubá”, do coletivo homônimo (RJ)

Vencedora do Festival de Teatro Universitário (FESTU) em 2022, “Menina Mojubá” traz à cena a história de Menina e sua relação com a espacialidade da rua, seja quanto encantamento, seja como violência. Mergulhada nas religiões afro-brasileiras enquanto mote e ação cênica, o espetáculo nos brinda com a performance estrondosa de Marcela Treze no papel da protagonista. Pude assisti-lo na Mostra Fringe do Festival de Curitiba e sem dúvidas foi uma das grandes surpresas do festival para mim.

8°) “O soldado, a tigresa e uma outra história”, do Teatro do Alvorecer (PR)

Como já comentei anteriormente, Douglas Kodi é de fato um excelente performer e isto está provado em “O soldado”. Indicado a várias categorias no Festival de Pinhais e também no Troféu Gralha Azul, o espetáculo é uma aula de teatro físico e de contação de histórias, mostrando a versatilidade do intérprete e a corporificação envolvente de um texto teatral. Ele está sozinho em cena, utiliza algumas partes de seu figurino como adereços mas é basicamente ele, seu corpo-voz, e a iluminação. É um desafio, que na minha opinião, dá certo!

7°) “Adoráveis Transgressões”, da Selvática (PR)

Olha, já que estamos na toada no Gralha Azul, um de meus estranhamentos foi perceber a falta de indicações para o delicioso “Adoráveis Transgressões”. A Selvática brinca, debocha, carnavaliza e destila veneno em cima de Tchekov, de suas obras e do teatro burguês. O grupo como um todo entrega performances que nos prendem do início ao fim – e olha que são quase 2 horas e meia de peça que, sinceramente, não achei nem um pouco cansativas. O cabaré também está presente, afinal é uma das linguagens exploradas pelo grupo curitibano. Essa cidade precisa é de um chacoalhão, e “Adoráveis” nos mostra um caminho possível.

6°) “A invenção do nordeste”, do Teatro Carmin (RN)

O ótimo “A invenção do nordeste” não poderia ficar de fora. Como um amante de história que sou, é incrível ver o entrelaçamento proposto na peça entre fatos históricos e as possibilidades de rever tais acontecimentos no teatro, como se de fato fosse um fórum, uma arena. A linguagem do teatro documental, tão cara ao Carmin, é muito bem utilizada e incorporada à dramaturgia, como se fosse de fato um motor infinito para a ação cênica. As atuações de Henrique Fontes, Rafa Guedes e Igor Fortunato são muito bem dosadas e divertidas, transformando-os em caçadores das ficções inventadas sobre eles e sobre o território nordestino.

5°) “Itan e Tal”, do Grupo Baquetá (PR)

“Itan e Tal” é um marco no teatro feito na racista cidade de Curitiba. Em cena, o grupo Baquetá nos brinda com uma celebração às heranças negro-africanas e indígenas, seja no texto dramatúrgico presente na boca do elenco, seja nos signos de cena e na musicalidade proposta. Destaco aqui a performance maravilhosa de Kamylla dos Santos como a protagonista Nati e também os prêmios conquistados pelo grupo no Festival de Teatro da Amazônia. Que essa cidade possa um dia valorizar o trabalho incansável deste coletivo de artistas, compromissado em uma arte negra e indígena de qualidade voltada às crianças.

4°) “Prot(agô)nistas – o movimento negro no picadeiro”, do coletivo homônimo (SP)

O alvoroço “Prot(agô)nistas”. No palco, uma mistura de show com teatro de revista e com circo. É um caldeirão de referências negras, é uma ode à contribuição negra nas artes. As temáticas referentes às nossas existências são tratadas através das imagens e das sequências feitas pelos performers, que vão desde à denúncia do genocídio negro até à exaltação da beleza negra. E ufa, são tantos números de tirar o fôlego! Vale mencionar também a plateia em polvorosa e sendo composta por muitas e muitos de nós, pessoas negras, que pudemos nos ver e ver nossos ancestrais representados e celebrados.

FAIXA BÔNUS – “Square”, do grupo Wunderbaum (HOLANDA/BRASIL)

 Antes de chegar ao top 3, peço a licença de fazer um pit stop para uma “faixa bônus”. Meu destaque vai para a performance “Square”, que teve sua estreia na mostra oficial do Festival de Curitiba. A praça e rua viram um palco para o entrecruzamento de histórias, de vivências, de memórias e tensões para então ressignificar essas espacialidades. Me emocionei muito assistindo (inclusive, a plateia deveria fazê-lo utilizando fones de ouvido) e foi impossível sair de “Square” ileso, sem ser contagiado pelo movimento gerado pelas e pelos performers.

3°) “Cárcere ou porque as mulheres viram búfalos”, da Cia de Teatro de Heliópolis (SP)

Quem me conhece sabe que não poderia faltar. “Cárcere” me marcou muito este ano. A Cia de Heliópolis discute a crise do encarceramento em massa, sobretudo de jovens negros e/ou periféricos. É uma denúncia poética dessas realidades, e o texto assinado por Dione Carlos chega até nós como uma avalanche, bem como o elenco que entrega performances formidáveis. Meu destaque aqui especialmente vai para Dalma Régia, Jucimara Canteiro e Isabelle Rocha. De fato, totalmente imperdível!

 

 

2°) “Nossos ossos”, da Cia da Revista (SP)

Em segundo lugar, “Nossos ossos”. Baseado na obra de Marcelino Freire, o espetáculo é a história de um dramaturgo e sua jornada numa cidade grande, quando então ele se vê defronte ao assassinato de um homem com quem um dia ele teve um caso amoroso. O elenco é extremamente poderoso (e vou destacar aqui os nomes de Vitor Vieira, Evas Carretero e Edu Rosa), assim como o texto e as imagens que são construídas por eles. É um cabaré-funeral de corpos e ideais que estão mortos muito antes de serem enterrados. “Nossos ossos” é uma dramaturgia-grito-preso-na-garganta.

1°) “Jogo de imaginar”, do Barracão Cultural (SP)

E em primeiríssimo lugar, vamos ao “Jogo de imaginar”! Bom, isso aqui é simplesmente fantástico. Cheguei no Itaú Cultural na Avenida Paulista achando que seria uma coisa e fui totalmente surpreendido. Dito “para crianças”, a peça é uma viagem pela história do teatro com “t” minúsculo mesmo, aquele que não nasceu na Grécia. Parte da premissa do por quê fazer teatro se eu não vejo meu corpo representado em cena? Por quê o teatro parece tão artificial para mim (o drama burguês ao menos). É de arrepiar quando Abdias do Nascimento e Benjamin de Oliveira surgem. É criativo, sutil, envolvente, político. Aquilo que considero o “pulo do gato” no teatro. 10/10!

Agradeço a todas e todos que fizeram parte dessa lista por seu fazer artístico. Fazer teatro ainda em 2023 é uma tarefa difícil, por vezes dolorosa e desgastante. Mas é incrível como conseguimos tocar, afetar-se e deixar-se afetar por meio dessa coisa que chamamos de teatro.

Que em 2024 a arte possa ser melhor valorizada e celebrada. Axé e feliz ano novo!

 

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