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Colunista

O coletivo de indivíduo é plateia

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O Teatro esclarece e organiza a vida por ambos os lados

por Leonardo Talarico Marins

Na coxia e nas poltronas.

Os musicais dominaram amplamente as salas cênicas.

Hoje, os comediantes e, novamente, os musicais lotam grandes espaços nas cidades. O denominado “Teatro Dramático” detém público, mas diminuto em comparação. É possível estabelecermos, sob a ótica do indivíduo, uma conclusão lógica a respeito do referido fenômeno? Obviamente, trata-se apenas de um ponto de vista distante da pretensão certeira da razão. Um ligeiro golpe de olhar. A cada dia, e as redes sociais comprovam tal assertiva, resta mais clara a intolerância do indivíduo em relação ao contato com os seus pontos de dor. Há um contínuo movimento escapista no qual o ser humano procura incessantemente campos de distração para não precisar se debruçar em questões mais largas, profundas e, por decorrente, dolorosas.

Que a sociedade pós-moderna encontrou na linguagem uma forma de sobreviver em estado de ignorância é fato, mas adentramos aqui em um explícito afastamento da própria dor. Há inúmeros livros, por exemplo, com síndrome de perpétua felicidade. Existe uma busca pelo otimismo-alegre interessante de observar. O que existe dentro de um quarto vazio? Nada? Dentro de um quarto vazio pode haver paredes úmidas decorrentes de um amor desfeito; rasgos na pintura provenientes de relações familiares desestruturadas; arranhões de uma sociedade hipócrita em diversas matizes no chão de tábua corrida desgastado; abandono de todos e de si, e tudo o mais que puder cogitar sua imaginação. E dentro do vazio existencial humano? O que há nesse lugar dentro do peito  que deveria estar desocupado por razão da própria definição teológica. O vazio existencial é o campo do mistério, da sombra, da articulação entre fé, dor e propósito de vida.

Mas o que fazem os seres humanos reunidos em plateia (ou não)? Preenchem esse vazio com o consumo de coisas e/ou pessoas. E por que o fazem? Por intolerância ao sofrimento. Por não entenderem o propósito da dor na formação biográfica humana. O ser humano é forjado pelo confronto com os seus mistérios. Mas, ao contrário, escapam dos questionamentos de dor e profundidade oriundos desse vazio existencial. Sob uma perspectiva empírica, não é isso que ocorre na seara teatral? Plateias afastadas das reflexões históricas e absortas no mundo palatável dos musicais e do stand up? E longe de fazer aqui uma valoração comparativa sobre a qualidade dos diversos gêneros teatrais. Mesmo porque há inúmeros espetáculos dramáticos terríveis e musicais e protagonistas cômicos interessantes e reflexivos. Mas, na linha de raciocínio da ocorrência média, é preciso constatar que o gênero dramático, sobretudo aqueles levantados por meio das obras dos escritores históricos, possuem contato direto com a dor. Pensemos nos escritores russos? Shakespeare? Nelson Rodrigues. O Teatro, conforme se disse tempos atrás, tornou-se a antessala da pizzaria. O entretenimento tomou frente à necessidade de confrontar o ser humano com as suas dores e reflexões.

Não se sai mais de casa para “sofrer”. Seja no campo teatral ou musical (show) se sai para se divertir. A vida já é dura demais, envergam os covardes. Não se trata apenas de relembrar a sociedade líquida de Bauman, mas constatar a existência de um coletivo amedrontado pela compreensão da afetividade, qual seja, o conhecimento e articulação dos sentimentos existentes na vida humana e suas dores decorrentes. Chegamos a um estágio teatral onde, para a maioria, o homem é uma entidade dispersa da sua própria existência. O ser humano que se esconde de si e não mais se acha. O Teatro não muda, nesse diapasão, a sociedade, mas a anestesia.

 

Leonardo Talarico Marins

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