Interaja conosco

Literatura

Uma boa ideia no papel nem sempre quer dizer uma ideia concisa com a realidade

Publicado

em

Janeiro de 2022 nos provou, mais uma vez, que não podemos ignorar o que está acontecendo com o mundo e com a sociedade brasileira. Tivemos catástrofes naturais aos montes pelo país, surto de influenza e a ômicron reinando por todo o país – e até mesmo gente ainda achando que a vacina não serve pra nada. Mas você já parou para pensar o porque isso tudo acontece? 

Claro que são diversos fatores, mas talvez o principal seja o título da coluna de hoje: uma boa ideia no papel nem sempre quer dizer uma ideia concisa com a realidade. Imagine a seguinte situação: uma granja de animais se revolta contra os fazendeiros por estarem sendo feitos de escravos. Toda a sua produção de alimento, como os ovos das galinhas e o leite das vacas é roubado pelos humanos que retribuem somente com comida. Na tentativa de barrar isso, os animais se reúnem e fazem uma revolução, expulsando os fazendeiros e peões das terras. Até aí tudo bem, certo? 

Os animais vivem alguns anos sem maiores problemas, aprendendo a plantar, ordenhar as vacas, colher e até mesmo a cantar uma música que simboliza a libertação, sendo guiados por dois líderes supremos, ambos porcos. 

Essa é a premissa do livro “A Revolução dos Bichos” de George Orwell, que estava na listinha de livros desse ano da coluna passada. A grande questão até agora é que a ideia da revolução foi ótima para os animais, sem sombras de dúvidas, porém não atendeu a todas as demandas. Para aqueles que se propuseram a ler o livro, sabem que alguns animais trabalhavam mais que outros e todos bem mais que os porcos. Mas porque eles faziam isso? Afinal de contas estavam libertos das mãos dos humanos, não estavam? Pois bem, tudo em prol da revolução. O discurso de poder dos porcos era sempre o mesmo: não querem que eles voltem, não é mesmo? 

Então era fácil convencer todos a continuar o trabalho pesado. Para que a revolução acontecesse, os animais aprovaram entre si  7 mandamentos do ‘animalismo’ (nome da política dos animais na história), que basicamente dizia que todo ser que ande sobre duas pernas e tenha dois braços é inimigo, ou seja, nenhum humano é amigo. Aqui nós temos dois pontos importantes: os animais estão tão fragilizados que se agarram à primeira oportunidade de sair daquela vida, mesmo que sem planejamento e sem projeção do futuro. Isso é mostrado posteriormente quando os animais chegam em seu limite e planejam até mesmo a construção de um moinho de vento para facilitar os trabalhos da colheita. 

É o que sempre acontece com a nossa sociedade. Nos agarramos na primeira oportunidade que nos é dada, sem pensar no depois. Não quero invalidar isso, pois algumas situações extremas é necessário resolver um problema de cada vez, contudo, o movimento para por ali. Um exemplo claro disso foi que centenas de pessoas se ‘orgulham’ do tal presidente em 2020 quando liberou 6 parcelas de R$600,00 do auxílio emergencial durante o pico da pandemia, mas esqueceu-se que uma forte crise financeira e do mercado de trabalho viria logo em seguida, causando uma onda de desemprego. E aí, onde está o tal presidente para combater isso ou ao menos apresentar um plano de contingência? É esse o ponto que coloco na mesa. 

Outro ponto importante que o livro de Orwell nos trás é a questão do fanatismo. Essas pessoas que usam o nome de Deus o tempo todo e o perigo que apresenta para a sociedade. Não estou criticando a fé de alguém, estou me referindo a usar isso como desculpa para defender ações criminais. A exemplo, influenciar a sociedade a usar armas, dizer que todo LGBTQIA+ deve apanhar para deixar de ser um, que uma mulher não é boa o suficiente para ser estuprada e por aí vai. A Lei 2.848/40 do nosso Código Penal, pune em até 6 meses qualquer pessoa que incite a violência ou a prática criminosa. Esses atos vêm sendo feitos e escondidos atrás de Deus. 

Quando os animais da granja começam a acreditar fanaticamente na revolução, no poder dela, esquecem das diferenças que existem entre eles, das necessidades básicas de cada animal e começa – adivinhem só – incitar violência entre eles mesmos a ponto de expulsar um dos líderes e o declararem inimigo.  

Está vendo como as ideias no papel são ótimas porque elas não trabalham com todas as ramificações, desvios e possibilidades divergentes que possam surgir na prática? Era muito fácil para os animais quererem construir um moinho de vento contando com a ajuda de todos da granja, mas e os animais menores? Como fariam para empilhar as enormes pedras? Quando se pensa em uma religião, ninguém imagina que haverá o fanático maluco que vai sair falando que LGBTQIA+ são pecadores porque no livro sabe-se lá qual da bíblia isso acontecia antes de Cristo nascer. 

Precisamos encontrar o equilíbrio e tornar as ideias flexíveis para que as divergências possam ser incluídas ou solucionadas. De nada adianta liberar R$600,00 de auxílio por alguns meses, se posteriormente não teremos empregos. É necessário apresentar uma solução imediata e uma projeção do futuro para que já se inicie um trabalho de contingência em grande escala, por exemplo. O mesmo se aplica em todas as áreas prejudicadas pelo governo atual: 

  • Nada adianta desmatar a floresta amazônica e o pantanal para transformar em pasto, para depois termos um desequilíbrio ambiental gigante que o país todo fique sem chuva. Temos gado de sobra, mas água…
  • Nada adianta investir tanto em ensino técnico (escolas técnicas) para formar mão de obra, se essa mão de obra não for capaz de pensar, agir e se desenvolver por conta própria. A mão de obra uma hora vai se tornar obsoleta, afinal de contas. Temos mão de obra de sobra, mas emprego que é bom nada…
  • Nada adianta investir tanto em medicamentos da indústria farmacêutica como o tal do Kit Covid, se você não investe em pesquisa suficiente para saber se tal componente químico é eficaz de fato ou não. 

A Revolução dos Bichos, embora brinque com a ideia de animais pensando como humanos, nos faz refletir muito sobre a situação em que vivemos no país, mesmo que o livro tenha sido escrito no fim da Segunda Guerra Mundial, há mais de 50 anos. Existem tantas analogias possíveis de se fazer, principalmente se formos partir do pressuposto da divisão de classes entre a Burguesia (patrão)X Proletariado (operário). 

É importantíssimo a leitura e análise desse livro de pouco mais de 100 páginas que pode ser encontrado com facilidade para que compreendemos, através de uma fábula – ou parábolas como dizem os cristãos – o que acontece nas entrelinhas da sociedade. 

Igor Horbach

É autor, ator, dramaturgo e produtor brasileiro. Nascido em Tangará da Serra – MT, publicou seu primeiro livro aos 14 anos e o segundo aos 16. Em 2017 se mudou para Curitiba onde iniciou sua carreira de ator, produtor e dramaturgo. Em 2019, produziu e dirigiu a serie Dislike. Em 2020 publicou seu drama de estreia, Cartas para Jack. Em 2021 lançou a série de contos intitulada Projeto Insônia.

Comentar

Responder

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Seja nosso parceiro2

Megaidea