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Teatro

Sobre os Avelleda, Genet e Giovenardi

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As Santas - Crédito foto Orestes Jorge (Suricatta Produções Culturais)

por Jaques Brand, espectador

​Abre-se a porta lateral do pequeno teatro. Do alto dos seus 84, o ator Danilo Avelleda lentamente emerge da bruma artificial, entre luzes apoteóticas, arrastando longa cauda real, como uma aparição, uma entidade, diria mesmo como o Esperado, aquele que chega de extensa jornada para trazer a redenção; para redimir os desgraçados que se dilaceram na desordem, na falta de um norte, na existência vazia. Danilo adentra a Situação preparada por Genet como Madame, a portadora da ordem e do sentido lá onde medra o caos, o desespero, a destruição mútua.

​Como Madame, ele é cuidadosamente, carinhosamente, delicadamente escoltado por Solange, uma das criadas da peça deste nome – ‘As Criadas’ – que estreou em 1947 na França e que foi agora, na adaptação ‘maneira’, flexível, gostosa, de Silvia Chamecki, renomeada – como ‘As Santas’, para maior ironia e espanto. Solange é ninguém menos do que o ator Diego Avelleda, seu próprio filho! Que o conduz a um pedestal donde os espectadores recebem a bênção geral e apostólica desse extraordinário Danilo Avelleda, do alto dos seus 84 anos, do alto dos seus mais de 70 anos de teatro. À espreita de ambos, como uma loba, a vigiar cada movimento, está Heloísa Giovenardi.

​É o momento de auge, de liberação das tensões produzidas por uma longa Espera. E temos aí mais um elemento da gramática de Genet, teatrólogo dos microcosmos nos quais reina um pandemônio que no âmbito restrito reflete algo maior, exterior – a Espera. É justamente nessa beirada do rio da História, nesse remanso praticamente sem enredo e sem acontecimentos, que as personagens se agridem sem descanso. Enredo apenas sugerido; na verdade arma-se uma Situação em clave de expectativa. No bordel de O Balcão, outro clássico da dramaturgia ‘bandida’ de Genet, apenas incidem os reflexos de uma revolução que põe o mundo ao avesso lá fora.

​Adriano Petermann, o diretor, como um deus muito humano, como um ditador irônico e amável, soube tirar o máximo desses três. O que não é pouco. Ao lado do gigante Danilo, agigantou-se Diego com rendimento dramático surpreendente em tão jovem ator. Danilo vive o raríssimo privilégio de contracenar com o seu melhor discípulo. Diego, cujo carinho pelo velho ator transparece na gentileza extrema com que o manobra, faz dessa ocasião uma revelação espantosa de vocação teatral. A terceira criada, Heloísa, de seu lado, tece uma teia de promessas de ternura e de prazer, em meio ao feroz contexto, que combina com o seu semblante e modo de ocupar o palco.

​Trata-se, não sei se deu pra dar uma ideia, de uma ‘senhora’ peça.

Foto Crédito: Orestes Jorge (Suricatta Produções Culturais)

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