Literatura
Querido Papai Noel, SOCORRO!
Por Elinéia Denis
Corre Lolla, corre! Corre que o ano está acabando, corre que está chegando o Natal, corre que não vai dar tempo. Corre, que correr está na moda é cool. Corre, Lolla! Não para agora, falta pouco (falta pouco para que mesmo?) Corre mais um pouco, você tem reunião, liga o Zoom, tem academia, tem que buscar o filho, tem que atender o chefe, tem que falar com as amigas. Tem que ler aquele livro, ver aquela série, tem trabalho para entregar… tem que, tem que… Não, não para Lolla!
Lolla, já rolou o feed do Instagram hoje? Leu as notícias? Meditou?
Eu juro que queria escrever esse trecho acima sem pontuação, para você ler a plenos pulmões, mas chegou a hora! PARA LOLLA! Respira, lê com o restinho de C-Alma que te resta.
O fato é, querida Lolla, estamos exaustos! Já estávamos bem antes da pandemia, mas aí ela veio e algumas distrações ao nosso cansaço nos foram tiradas, reduzidas. Somamos as mudanças e perdas com a situação política, econômica, social e estamos cansados ao quadrado.
Somos extremamente produtivos, trabalhamos doentes, felizes, tristes, adquirimos doenças emocionais e seguimos produzindo e correndo. A vitória não está na entrega feita, que deveria ser comemorada, a vitória está na próxima que nem começou. Você se lembra a última vez que comemorou uma boa entrega, Lolla? Que se sentiu feliz por mais de algumas horas por algo que produziu sem pensar na próxima etapa?
Aliás, o ano está acabando e se você sabe como pulou de janeiro para outubro você tem sorte, a maioria de nós não sabe! Só corremos mesmo essa maratona louca de uma existência ocupada, preocupada.
Sabe quando as pessoas dizem, em tom de elogio, “nossa, você faz tantas coisas ao mesmo tempo…”, pois é Lollinha, isso virou motivo de orgulho. Agora a gente quase compete para ver quem é mais ocupado e “ah, você sabe, correria, né?” virou resposta para a pergunta “E aí, tudo bem?”.
É que na sociedade do cansaço existe um status em estar sempre correndo, sempre toxicamente feliz, sempre grato e incansável. Essa sociedade está deixando o planeta está em estado de escassez, afinal os recursos naturais se esgotam cada ano mais cedo, pois a humanidade suga todas as gotas que pode e as que não pode.
É Lolla, assim como você e o Arnaldo Antunes na música, muita gente já não SENTE nada, nem amor, nem dor. Só segue a baile mesmo, porque a máscara social exigida é essa.
Bem, mas já que você chegou até aqui comigo, queria propor que a gente tentasse juntas olhar o significado de contemplação:
Olhar fixamente para alguém, algo ou (desafiadoramente) para si mesmo, com encantamento, com admiração.
Quantas coisas você deixou de ver no caminho, pois estava correndo? Quanta coisa a gente não ouviu, não apreciou e deixou para lá… No intervalo da correria a gente arruma uma tela para olhar, celular, TV, Kindle, tablets e um catálogo inteiro de séries atrasadas.
Vem cá, Lolla, 3 minutos, contemple! Se encante e perceba os barulhos ao seu redor, a textura da roupa, o jeito que seu filho anda, aquele cachinho de cabelo fofo e fora do lugar da sua filha, o cheiro da casa, da rua, as flores de primavera. Sorria ao ver seu cachorrinho dormindo, seu gato tomando sol… Olha para nuvem e me conta, que desenho tem nela. Seja ousada, contemple a si mesma!
Se a gente se presenteasse todo dia com 3, 5 minutos de contemplação a gente deixaria o um pouco o automático da correria e começaria a sentir mais. Voltaria a sentir amor, dor, alegria, emoção, a formação do sorriso nos lábios, lágrimas quentes, raiva, revolta. Ah! Isso se chama, ser humano.
Então, Lolla, nossa cartinha desse ano para o Papai Noel é para pedir “socorro!” e admitir que estamos cansadas, que precisamos desacelerar para sair da sobrevivência e passar ao modo ‘vivência’.
Desejo que você (e eu também) contemple mais, respire, SINTA e VIVA!
“Dentro de cada um de nós, há uma testemunha interior que observa com tranquilidade o que acontece dentro e fora de nós. A partir de um lugar de silêncio e sabedoria, mesmo quando o mundo se agita numa tempestade de emoções, a testemunha se assenta calmamente no olho da tempestade, incólume, luminosa e onisciente.” Do livro: As coisas que a gente vê quando desacelera, Haemin Sunim
P.S.: esse texto é um mix de reflexões sobre o livro Sociedade do Cansaço (Byung-chul Han), As coisas que você vê quando desacelera (Haemin Sunim) e o podcast Mamilos: o que é a sociedade do cansaço
Com afeto,
Elinéia Denis @elineiadenis
Curiosa, inquieta e feminista. Especialista em ambientes digitais com amplo conhecimento em branding, posicionamento e reposicionamento de marca. Conta com mais de 15 anos de experiência profissional, é mentora de Tendências e Marketing e atua na gestão da Comunicação e Marketing no mercado corporativo.