Teatro
Lispector invade o Guaírao como um tsunami
Por Igor Horbach
A Hora da Estrela ou o Conto de Macabéa esgotou o Guaírao no último sábado (09) com uma promessa difícil de musical com a obra mais famosa de Clarice Lispector. Musicais no Brasil já são escassos, considerando as criações e não montagens da broadway.
O texto de Lispector já se encontra em uma posição de incompreensão pela maior parte do público e isso atinge a dramaturgia da adaptação com força. Inúmeras cenas são confusas e difíceis de serem compreendidas em um primeiro momento. Para os que estão acostumados a linguagem teatral e as diversas estéticas, tudo se esclarece aos poucos no decorrer da narrativa, enquanto que para os leigos, acredito eu, que não seja possível.
O trabalho do elenco é simplesmente incrível. O corpo das atrizes e do ator se desmancha a cada música e se renasce como uma fênix guiada pela dor de uma história comum, mas necessária em tempos mortais.
As músicas salvam as partes exatas em que a dramaturgia se mostra confusa. Chico César absorve a dor de Lispector e da personagem, converge para um espírito só e arranca de Macabéa a coisa mais poderosa que um ser humano é capaz de guardar para si: o grito.
Cenários abstratos pensados em uma estética contemporânea e que serve de base para uma atuação no mesmo contexto para o elenco. O rompimento da quarta parede também atinge os objetos grandes no palco quando a elevação deles é feita pelo maquinário em cena. É inebriante, exótico e bonito.
A banda com 3 músicos serve como uma segunda onda ao transformar mais uma linguagem da arte, a música, em um grito só de socorro. Refaz a dramaturgia em forma de poesia cantada, sentido e expulsa em forma de pavor melódico.
Iluminação de Macabéa vai colorindo, ou ao menos tentando, a história de uma vida sem cor. É nela que o público se agarra para a esperança de um final feliz. Assim como toda a composição da adaptação, a luz acende para transformar o elenco e a história em potencialidade cênica inigualável. Assim como faz o figurino pouca realista, mas condizente com a proposta.
A Hora da Estrela arrasta os seres da plateia por um pensamento incomum para a grande maioria dos frequentadores do teatro do luxo, como o Guaírao. Cutuca a ferida aberta de uma sociedade “estrelista” que morre de um dia para o outro e esquecida na linha do tempo da história contemporânea. Fala sobre o adeus de uma vida não vivida, de um grito negado pelo medo que sente por aqueles que nunca gritaram.
Crédito foto: A Hora da Estrela – Crédito foto: Daniel Barboza