Festival de Curitiba
É tempo de cultuar o reacionário arrependido
Festival de Curitiba revive sete peças de Nelson Rodrigues

Foto: Day Luiza
por Bárbara Piazza. Psicóloga, escritora e estudante de Jornalismo na Universidade Positivo
Em um país que gesta esfaqueadores de Mulatas, obra de Di Cavalcanti, e fanáticos pelas Forças Armadas, revisitar peças escritas por um homem que apoiou a ditadura militar até o instante em que descobriu que seu filho sofreu torturas pode ser um convite a desafiar nossas percepções de mundo.
Para 2025, o Festival de Curitiba decidiu acolher cinco interpretações de alguns textos de Nelson Rodrigues, jornalista que, ao longo de quarenta anos, escreveu dezessete peças de teatro, com intensas cargas psicológicas, míticas e trágicas. Serão apresentadas: O beijo no asfalto; Toda nudez será castigada; Viúva, porém honesta; Os sete gatinhos; e Nelson ao cubo, que conta com excertos de A serpente, Dorotéia e A mulher sem pecado.
Sábado Magaldi, jornalista, crítico teatral e organizador da coleção Teatro Completo de Nelson Rodrigues, publicada em 1981 pela Editora Nova Fronteira, destaca na introdução do primeiro volume algumas características para definir o estilo do autor: “o procedimento obsessivo, paroxístico do protagonista”; “a morbidez” e “a ironia feroz”. A morbidez, segundo o crítico, serviria “para aguçar a sensibilidade, abrindo desvãos psicológicos que de outra forma continuariam vedados”. “Nelson Rodrigues foi nosso primeiro dramaturgo a sublinhar de forma sistemática os componentes mórbidos da personalidade, coexistindo com as facetas consideradas normais”, argumenta.
Outra marca estilística do autor consiste na proposição de enredos permeados pela disrupção da estrutura familiar tradicional. Para Fernanda Bahl, professora no Teatro Lala Schneider e diretora de Os sete gatinhos, a pertinência social de tal abordagem recai sobre a questão da “aparência” que não só o núcleo familiar retratado na peça, como também os da vida real, buscam sustentar. “O mais interessante é porque a gente consegue, no espetáculo, ver dentro da família. A gente vê o interior dela, então, a gente vê o podre”, ressalta.
Já Ana Raggio, atriz da companhia Pé no Palco e integrante do elenco de Viúva, porém honesta, entende que “a família tradicional, como idealizada e promovida ao longo do tempo, ainda segue sendo a forma mais desejável e valorizada em nossa sociedade, principalmente por imposição de diferentes instituições, como a mídia e a igreja”. No lugar de responsabilizar “a dita família desestruturada” pelas tragédias existenciais, Ana nos convida a “tratar abertamente sobre as falhas presentes na própria estrutura social”.
Não é a primeira vez que o Festival de Curitiba conta com remontagens da dramaturgia rodrigueana. Em 2022, por exemplo, O casamento fez parte da Mostra Lúcia Camargo, incluindo parte do elenco original de 1997, como a atriz Guta Stresser, e destacando-se pela trilha sonora de André Abujamra, filho do diretor da primeira montagem.
Quanto às releituras desta edição do evento, o público pode esperar por propostas variadas. Vanessa Corina, coordenadora da companhia Pé no Palco e diretora de Viúva, porém honesta, conta que a equipe de produção optou por um formato “que foge ao convencional”, no qual é incorporada “a presença da música ao vivo, com o cantor Leon Adan, que dialoga diretamente com a cena e intensifica o caráter farsesco e provocador da peça”. Outro detalhe revelado sobre a peça foi a decisão de “transformar Pardal (o redator-chefe capacho do Dr. J.B.) em uma mulher, possibilitando outras formas desta personagem se relacionar com o ‘poderoso chefão’ e pai da honestíssima viúva”.
Enquanto isso, Fernanda Bahl destaca elementos teatrais mais tradicionais em Os sete gatinhos, como “todas as finalizações de atos, sempre muito marcados” e “as mudanças de cenário feitas pelos atores”. Ela ainda menciona o potencial metafórico da iluminação cênica: em determinado momento da peça, uma luz que vem do fundo representa uma espécie de porta, “de entrada pra esse mundo, pra essa família, que é uma família que tá apodrecendo” — uma porta da qual não há saída.
As apresentações das peças de Nelson Rodrigues acontecerão do dia 27 de março ao dia 6 de abril e os preços dos ingressos variam. Para mais informações, acesse o site oficial do Festival de Curitiba <https://festivaldecuritiba.com.br/>.
SERVIÇO:
O beijo no asfalto:
Dias e horários: 27/03, às 19h e às 21h; e 28/03, às 19h e às 21h
Companhia: Grupo de Teatro Koluderê – Vivência teatral
Endereço: Koluderê – Vivência Teatral – XV de Novembro, 467, Centro
Valores: Pague quanto vale (pagamento feito no dia do evento, com valor definido pelo espectador)
Toda nudez será castigada:
Dias e horários: 28/03, às 20h
Companhia: Teatro Lala Schneider
Endereço: Teatro Paulo Autran – Alameda Dom Pedro II, 255, Batel
Valores: Meia-entrada a R$20 + taxas e Inteira a R$40 + taxas
Viúva, porém honesta:
Dias e horários: 01/04, às 21h30; 02/04, às 21h30; e 03/04, às 20h (sessão esgotada)
Companhia: Pé no Palco Atividades Artísticas | Escola de Teatro
Endereço: Espaço Fantástico das Artes – Trajano Reis, 41, São Francisco
Valores: Meia-entrada a R$20 + taxas e Inteira a R$40 + taxas
Os sete gatinhos:
Dias e horários: 05/04, às 20h
Companhia: Teatro Lala Schneider
Endereço: Teatro Paulo Autran – Alameda Dom Pedro II, 255, Batel
Valores: Meia-entrada a R$20 + taxas e Inteira a R$40 + taxas
Nelson ao cubo:
Dias e horários: 06/04, às 17h e às 19h
Companhia: Espetáculo de Brusque – SC
Endereço: Teatro Guilherme Machado – Rua Brigadeiro Franco, 1941, Batel
Valores: Meia-entrada a R$25 + taxas e Inteira a R$50 + taxas