Literatura
A LITERATURA COMO SEMENTE DO DESENVOLVIMENTO DE UMA SOCIEDADE COM EQUIDADE
Por Igor Horbach
Quando falamos de igualdade, muitas vezes pensamos estar discutindo o que na verdade está nas mãos da equidade. Talvez pelo fato destes termos não serem aprofundados na escola regular. Até porque, temos um sistema de ensino robótico onde o professor enche o quadro de letras e números, os alunos copiam e memorizam para a prova. Passado o período, tudo é esquecido.
A equidade é mais que a igualdade. É quase utópico no Brasil de 2021. Se trata da condição de entender que mesmo possuindo direito sobre aquilo – ação, objeto ou lugar – não farei o uso dele se não me for conveniente e irei ceder este espaço para que o outro possa usufruir se é de maior interesse e necessidade do outro. Além, é claro de compreender que algumas das minhas situações terão que ser alteradas para que o outro tenha o mesmo acesso, oportunidade, espaço e respeito de vivência que eu.
Esta evolução da macro comunidade, como disse, é praticamente impossível no Brasil que temos ainda. A pandemia de COVID-19 nos serviu de vitrine para isso, quando temos o caso de uma passageira que se recusa a usar máscara a bordo de um avião. Pode parecer divergente com o assunto literário e de equidade, mas na verdade não é, pois quando discorremos sobre uma grande sociedade, há diversos fatores e diferentes espaços a serem analisados, conquistados e estudados para que se consiga mudar uma cultura de massa.
A literatura, foco do texto, tem um exemplo claro quando estabelece como best-seller a saga Jogos Vorazes de Suzanne Collins. A obra é um reflexo extremo de uma macro comunidade parada no tempo, que se deixou levar pelas falhas do passado para utilizar de jargões conhecidos como “não temos como mudar isso”, ou “é só ignorar que passa”. O mercado editorial tratou a trilogia como “ficção urbana utopica”. Talvez até seja se for através da ótica que se trata de um cenário extremo, ditatorial e pós guerra, contudo, não está longe de um futuro breve em um país cuja população sai em carreata sem máscara, no meio de uma pandemia mortal, erguendo faixas e pedindo intervenção militar. Nosso futuro seria uma Panem?
Outro exemplo mais clássico é a obra 1984 do autor George Orwell. Tratada como utopia de um mundo em guerra, o livro é sempre revisto como uma obra prima que discute assuntos do passado. A semente a que me refiro no título estão nestes exemplos. A tal semente não apodreceu ou gerou frutos. Ela está lá, estagnada, porque boa parte da população enxerga histórias como frutos de imaginação sem perspectiva alguma de se tornar realidade, quando a verdade é que o movimento é oposto. Todas as histórias possuem fundamentalidade na realidade vivenciada pelo autor/autora. Logo, se estamos falando de um universo devastado por uma guerra em que uma nação foi dividida em 13 distritos ou uma sociedade como a de 1984, estamos dialogando sobre uma realidade existente ou com potencial de surgimento.
Podemos colocar toda a culpa no mercado editorial que usa dos best-sellers para fazer seus grandes impérios e levar o público jovem (o maior consumidor de literatura no país) a acreditar que são universos alternativos. Todavia, não se trata apenas de um culpado nesse jogo de poder. O mercado editorial aos olhos dos reis e rainhas desse xadrez é apenas o peão, enquanto para este “peão”, tudo é apenas uma correnteza acelerada que se pode chegar até o outro lado.
A questão principal que levanto é a forma como encaramos a literatura e o quanto ela tem a nos dizer sobre os reflexos das diferentes classes e divisões da sociedade. Esta interpretação distorcida e pouco aprofundada das obras que nos rodeiam, a narrativa de mundo utópico, como se fosse uma realidade alternativa, está corroendo de dentro para fora a “semente” que poderia nos levar à equidade de uma macro comunidade. Assim retorno a afirmação do começo do texto de que uma sociedade equitativa é impossível de se acontecer na realidade de hoje. Como se chega a uma mudança significativa a ponto de ser praticamente nulo as denúncias de assédio em mulheres, de xingamentos e recusas de trabalho por uma pessoa ser gay ou a imposição capacitista que pessoas com deficiência sofrem, se achamos que situações extremas acontecem apenas nas imaginações afloradas e “sombrias” dos autores?
A literatura está sendo usada, a poucas vistas, como uma fuga da realidade, talvez por uma nação que já se esgotou de todos os desvios possíveis de “segurar a barra” por tempo suficiente para uma grande mudança. A principal questão está no fato de que o “lugar de chegada” está na direção oposta. As obras deveriam, ou ao menos atribuídas, como uma interpretação metafórica da realidade vivida, refletida e sentida pelos autores. Em nenhum momento existe, na história da literatura brasileira, por exemplo, um autor que tenha discorrido sobre uma imaginação aleatória, sombria e longe de qualquer nexo com a realidade. O maior exemplo é a obra Vidas Secas de Graciliano Ramos que abre os olhos e altera a óptica de visão sobre as situações vividas pelo povo nordestino e não uma “ficção urbana utopica”.
Para concluir, reafirmo que os livros são armas poderosas para entendermos a sociedade em que estamos inseridos. É um recorte histórico de um universo vasto e profundo de uma população que existe. Não é ficcional. É, portanto, a nossa “semente” para uma equidade social ou ao menos os passos até lá. Não é segredo para ninguém que não estamos dando passos de tartaruga a muito tempo, estamos parados, esperando um milagre divino, como a volta de Jesus.
Acredito firmemente que parando de ver obras literárias como relatos inexistentes e desconectados com a vida presente, estaremos encaixando o trem nos trilhos. Ainda faltará encher nossa maria fumaça com carvão, fazer os reparos necessários no maquinário, distribuir as passagens, garantir que todos os passageiros estejam a bordo (não cobrar ou tornar refém), impossibilitar que pessoas incapazes ou com potencial para grande catástrofes, como Jon Snow* assumam o comando do trem, para finalmente sair da estação.
*personagem da obra Jogos Vorazes de Suzanne Collins.