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Teatro

Ricardo III, um homem do seu tempo

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por Leonardo Talarico Marins

Impressiona-me como a contemporaneidade deixou a todos aflitos por enxergar o mostrado. Entretanto, olhar não se restringe observar o visto. Olhar consiste exatamente capturar o escondido por detrás da exposição. O discurso da vestimenta esperada (terno), em determinado momento do espetáculo, corrobora o posicionamento. Antes de iniciar a escrita, visitei outras ponderações sobre a peça e todos foram unânimes no espetáculo da “quebrada”, como se estivéssemos diante de uma performance não clássica e subversiva aos ditames do “Bardo”.

E, por impressionante, todos os meios de comunicação pegaram a mesma estrada de raciocínio. Definitivamente, não. Shakespeare está realizado com a montagem. Ricardo III, na excelente concepção da Companhia Atores da Fábrica, resgata o “esclarecimento”, a “apresentação” e a “contação de história”; pilares da estrutura clássica Teatral, em oposição à própria interpretação contemporânea. Ressaltar a renovação de linguagem, repleta de elementos periféricos, é reducionista diante de tudo arduamente posto em cena. O não visto por muitos é a excelente articulação entre a “linguagem mãe Teatral” e o espírito aflorado de evolução linguística, algo que em nenhum momento espanta Shakespeare. Opõe-se tão somente a encenadores e acadêmicos que decidiram enclausurar o autor inglês em uma casta social como o fizeram com a ópera.

A fala da quebrada não confronta William Shakespeare, escritor popular, mas sim aos puristas que se contorcem em preconceito diante das novas conquistas linguísticas representativas. Em verdade, essa apresentação possui estrutura “épica” clássica. As pitadas originais, fruto de pesquisa de linguagem e atalhos simbólicos da companhia, são excelentes, mas essa obra tem uma função social ainda mais relevante, pois populariza peças “furtadas” em linguagem, que afastam o público do conhecimento, deixando-os diante do mero exibicionismo.

A peça Ricardo III comunica, inclui o público ativamente na Dramaturgia, destrói com propósito o espaço cênico, e, por derradeiro, apresenta-se de forma “horizontal” na “apresentação” do texto, para que todos da Cia, com a plateia, juntos, verticalizem-se e saiam maiores. Algo bem distante da embocadura subserviente à literatura e ao ego, amiúde encontrados aqui e acolá. Não é linguagem periférica. É linguagem. E os operadores teatrais dessa obra a manejam com pertencimento e propriedade. A dedicação, interpretação, o processo de companhia, a direção, os adereços cênicos, a contribuição de Júlio Adrião, as provocações de Amir Haddad, os sons e as interferências realizadas por outro ator da companhia, ao vivo, o desenho de luz, desdobrando-se em lidar com os poucos recursos físico financeiros, o brilho nos olhos da equipe, fazem desse espetáculo um ato verdadeiramente teatral comovente.

Um resgate do Teatro concebido que venceu a literatura e lutou (e luta) contra a sua apropriação pela classe dominante. Por isso, não devemos entender a linguagem periférica como diferente, mas como um espaço conquistado, já devidamente posto. Trata-se de uma luta de classes dentro da própria classe. E o Teatro é plural. Há espaço para todas as linguagens. E nenhuma deve sofrer redução de importância por não atender ao status quo da classe dominante. Estamos em um lugar maior, no qual a linguagem periférica, a malemolência dos bairros e comunidades e o atrevimento de jogar futebol no paralelepípedo aporta o Teatro na sua verdadeira direção, origem e propósito. Contar uma história para alguém, deixando sua alma na coxia em prol da concepção da sua personagem. Ricardo III é um espetáculo de ator, sem distrações impertinentes com o intuito de esconder mediocridades. Além do talento do ator Alexandre Gomes e do ótimo trabalho de toda equipe artística e técnica, Ricardo III, da referida companhia, é um clássico na melhor e mais sagrada concepção grega. Um espetáculo para ser visto, revisto e apresentado como referência Teatral.

FICHA ARTÍSTICA E TÉCNICA

Texto original: William Shakespeare
Adaptação: Alexandre O. Gomes
Direção: Wellington Fagner
Direção de produção: Alessandra Fernandes
Supervisão: Julio Adrião
Atuação: Alexandre O. Gomes
Paisagem sonora: Mateus Amorim
Orientação de figurino: Dani Geamal
Figurino: Alessandra Fernandes
Iluminação: Alexandre O. Gomes
Operação de luz: Michael Lincoln
Assessoria de Imprensa: Monteiro Assessoria

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