Opinião
Teatro como espelho das nossas imagens desfocadas
O fio condutor é o ser mulher, em suas várias facetas e fases, atualmente, a complexidade disso e o quanto padrões estéticos é, sobretudo nesse período instagramável do viver, uma pressão que constrange esses corpos.
Foto: Paulo Vainer
gabriel m. barros
É nos olhos da filha que a personagem, a única no palco durante toda a peça, se vê transfigurada já na primeira cena do espetáculo Na sala dos espelhos, peça adaptada e dirigida por Michelle Ferreira e Maíra De Grandi, inspiradas no quadrinho homônimo, de Liv Strömquist.
Carolina Manica dá vida a essa personagem altamente contemporânea, na proposta de proximidade da atriz com o público, através do Teatro Mínimo, do Sesc Ipiranga. Desafio imenso portanto. Aliás, todo monólogo é esse passo em que o corpo e a voz precisam levar os espectadores a fantasiarem junto. Carolina, nesse quesito, é uma criadora de mundos das mais argutas, em que trabalha de forma estupenda as várias formas que um corpo pode adquirir e quantas vozes cabem numa voz.
No amparo da construção dessa história, a iluminação (de Caetano Vilela e operada por Gabriel Soveiro), bem como da trilha sonora (de Ava Rocha e Grisa, operada pela segunda), e também com figurino e cenário de Fábio Namatame fazem do espaço mínimo, algo grandioso, inventivo, engraçado e inquietante (não há como não lembrar a cena do liquidificador que é esse misto todo).
Por denominar como uma personagem contemporânea, o que tenho em mente é que a história se dá nesses fragmentos em contorno de uma vida, que se dá não de forma linear, e sim por saltos, por fantasias, perpassados por vários dilemas contemporâneos e entrelaçados por uma reflexão contundente de vários intelectuais. O fio condutor é o ser mulher, em suas várias facetas e fases, atualmente, a complexidade disso e o quanto padrões estéticos é, sobretudo nesse período instagramável do viver, uma pressão que constrange esses corpos.
Daí a beleza do corpo que se torna vários, se metamorfoseia diante dos nossos olhos, num palco que apesar de tradicional, vai se convertendo em vários, sendo esse convite pra que olhemos, encaremos e abracemos essa nossa faceta mais conturbada, que ainda é nossa.
Por ser teatro mínimo, infelizmente o espaço é reduzido, e os ingressos já estão quase esgotados. Ainda assim, eu recomendaria fortemente que não havendo ingresso, que tentem a fila da esperança, afinal, o teatro também é esse espaço em que as esperanças se concretizam.

