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Cinema

Jesus Kid inova na comédia e na narrativa do cinema brasileiro

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Por Igor Horbach

No último sábado (04/06) aconteceu no Cine Passeio a cabine de imprensa do novo filme do diretor  radicado em Curitiba, Aly Muritiba, Jesus Kid. A produção conta com Sérgio Marone e Paulo Miklos como protagonistas e é uma adaptação do livro de mesmo nome de Lourenço Mutarelli. 

O filme acompanha a jornada do escritor Eugenio que começa a ser perseguido pelo governo após censurar suas obras e pedir que escreva uma autobiografia do presidente enquanto que uma dupla de produtor e diretor de cinema tentam deixá-lo isolado 3 meses em um hotel para criação imersiva de um roteiro novo para produzir. À medida que a história avança, a linha entre realidade do personagem e imaginação do mesmo se confundem e transformam em uma só. Muritiba conduz um roteiro firme, bem amarrado e que transforma o humor do espectador a todo momento, passando de suspense para humor e retornando ao suspense. 

A história não se torna em nenhum momento cansativa, pelo contrário. Conforme os personagens se envolvem na trama, queremos ver mais e saber o que vem em seguida, entrando em um ciclo vicioso que muitas vezes apenas séries de streamings nos fazem sentir. 

Miklos se demonstra frágil como Eugenio, mas tudo se trata de encenação, pois é um ator inebriante e com presença cênica forte. Sabe exatamente por onde conduzir seu personagem para que não caia em um estereótipo forçado, por mais que esteja evidente o arquétipo, utiliza da técnica e a deixa natural. Marone é um talento sem tamanho quando se apossa de Jesus Kid. O west selvagem invade a tela do cinema através de seu personagem marcante, elegante e hipnotizante. É marcante sua existência em cena, principalmente com o trabalho corporal que desenvolveu para o personagem.

Leandro Colombo representa de maneira brilhante a faceta de centenas de brasileiros. Zomba de suas culturas quadradas e antiquadas, mas sem com que criamos aversão. Pelo contrário, Colombo nos compra para justamente rirmos da imbecilidade alheia. De maneira geral, todo o elenco possui presença cênica inquestionável, arriscando até mesmos corpos pouco convencionais no cinema naturalista que estamos confortáveis em assistir. É através de seus corpos autênticos e únicos que os personagens transformam uma trama que não é tão nova assim – uma vez que a premissa já exista no cinema –  em algo completamente inesperado e potencializado. 

As referências diretas e claras a atual situação do país carimbam que o cinema nacional também segue na luta contra o governo anti-cultura. Talvez esteja cada vez mais próximo a ideia antiquada de que as artes não se convergem ou se conversam. Todos os veículos e produções artísticas estão clamando por justiça, seja por seus textos ou pelas cenas. O roteiro é crítico e nos faz rir da própria deselegância brasileira. Jesus Kid é um filme que o espectador entra de um jeito e sai de outro. Vai além da comédia para aqueles que se debruçaram sob a consciência e refletirem sobre o poder da mente diante de situações não convencionais. 

A direção de fotografia e de arte trabalham em conjunto com a direção de Muritiba. São interdependentes e trazem para as cenas o poder necessário para serem transformadoras e levarem o público ao limite da passividade. Não é diferente do que estamos acostumados a ver por aí no cinema, mas é um campo pouco explorado pelo diretor e que convergiu com maestria com o objetivo dramático. 

Aly Muritiba mais uma vez prova ser um diretor necessário e urgente não só para o mercado cinematográfico, como para a sociedade consumidora da sétima arte. Suas potencialidades são colocadas ao limite no longa, mas tão bem conduzidas que ultrapassa qualquer tipo de dificuldade limitadora que possa surgir. Mesmo que nos primeiros minutos do filme tudo esteja confuso e pouco natural, aos poucos vamos mergulhando no que Muritiba chama de “ódio” a ponto de sermos dominados por tal sentimento de incredulidade, principalmente quando percebemos a realidade filmada em um quadro cênico, sem exageros ou discrepâncias.

 Por diversas vezes Eugenio pede ajuda por sentir estar sendo perseguido, enquanto que é incentivado a ver isso como um ponto positivo. Uma vida vale menos que um produto de mercado? (Mera coincidência com a polêmica do Madero em 2020) A relação confusa entre real e imaginário do personagem abre infinitos caminhos para discussão, o que poucos diretores conseguem fazer de maneira tão bem pensada e articulada.  O pobre de direita na vida de Chet escoima na face de milhões de brasileiros que estupidamente ainda acredita existir um governo que os defende e protege. O que nos leva a pensar: até quando existirão passivos pagando dívidas humanas de contas que não são suas. 

Jesus Kid é sem sombra de dúvidas um filme emergente que deve ser visto por todos os seres que no final do ano farão compromissos federais. É uma arte que vai para além da realidade atual e nos coloca a pensar sobre a humanidade e o desespero cultural que vivemos. Não é um longa para se degustar em uma sessão da tarde, mas para uma tela quente que nos tira o sono, colocando-nos a pensar sobre tudo. A comédia superficial que tanto se faz no Brasil é colocada em xeque, quase como em uma cartada dura e perspicaz para dar um basta nos romances adolescentes e trazer a geração tiktok para a profundidade e complexidade do sistema de comunidade e da realidade material ao invés da virtual. É na piada, no humor, no ridículo, no lúdico que está escondida o soco necessário da transformação. 

É autor, ator, dramaturgo e produtor brasileiro. Nascido em Tangará da Serra – MT, publicou seu primeiro livro aos 14 anos e o segundo aos 16. Em 2017 se mudou para Curitiba onde iniciou sua carreira de ator, produtor e dramaturgo. Em 2019, produziu e dirigiu a serie Dislike. Em 2020 publicou seu drama de estreia, Cartas para Jack. Em 2021 lançou a série de contos intitulada Projeto Insônia.

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