Colunista
E mais uma vez a cultura é alvo da hipocrisia legal do Brasil com o fim da Livrarias Cultura
Justiça decreta falência de Livraria Cultura, mas passa pano para Americanas
Por Igor Horbach
É fato que o mercado editorial vive uma crise há anos, depois da grande onda da Amazon no mundo e dos livros digitais e que essa crise se agrava ainda mais no Brasil, uma sociedade que nunca soube a real importância do hábito da leitura para os seus desenvolvimentos, como já reportei inúmeras vezes nas colunas ao longo desses 2 anos escrevendo para o Jornal A Cena.
Contudo, as coisas têm ganhado agravantes à medida que o tempo passa e nos leva a pensar que não terá solução mais para o que está por vir. É como se não houvesse esperança mais diante de tanta hipocrisia, egocentrismo, moralismo e claro, negligencia.
No começo desse ano fomos pegos de surpresa, enquanto sociedade, do rombo bilionário da rede de lojas varejistas Lojas Americanas. 46 bilhões até o momento foram apurados em dividas. É claro, não há o que se discutir quanto a grandiosidade e relevância econômica da empresa para o mercado financeiro brasileiro – e eu não sou o melhor entendedor de economia – porém, não acho crível que exista tanta confiança de que uma empresa devendo bilhões possa se sustentar à portas abertas e que um dia pagará toda essa dívida, uma vez que a cada dia ela deve ficar maior com juros e adequação. Ou será que está sendo passado pano para isso também?
A livraria Cultura entrou com pedido de recuperação judicial em 2018 após ser anunciado que possuía uma dívida de R$285,4 milhões. Os credores rejeitaram 2 planos de recuperação apresentados pela empresa que vinha fechando lojas e demitindo funcionários para tentar se reestruturar. A justiça? Conivente com todas as rejeições, mesmo sabendo que uma dívida desse tamanho poderia ser quitada tranquilamente. Mas a questão é outra, a cultura não é importante, né?
Uma livraria com tanta história e que praticamente fundou o mercado editorial brasileiro quando abriu sua primeira loja no Brasil em 1947 ser tratada dessa maneira é a comprovação de que o Brasil não esta nem aí com suas memórias históricas. Vimos essas cenas se repetirem com empresas grandes também da aviação como a VASP e a VARIG. O interessante é que o sistema de justiça utiliza o tempo todo o projeto catastrófico de ‘2 pesos, 2 medidas’. Para uns valem uma remissão, para outros nãos.
A Americana chega a dever somente para o Bradesco mais de 5 bilhões que nunca serão pagos, nem com o melhor plano de recuperação judicial que os melhores profissionais do Wall Street de Nova Iorque pudessem desenvolver.
Essa hipocrisia de um sistema de justiça falido e ineficaz tem corrido a sociedade brasileira em todas as instancias. Seja na econômica, no trabalho, na saúde, nos crimes e todos os outros setores. É preciso uma revolução da justiça de cima para baixo, para que o mundo do direito não seja tão ambíguo e hipócrita, já que temos a ala política fazendo muito bem esse papel há anos.
Não estou aqui para defender a Livraria Cultura, até porque não é segredo para ninguém que até hoje centenas de funcionários precisam passar por acompanhamentos psiquiátricos devido a traumas de assédio moral por parte dos superiores da rede. O problema é muito mais embaixo.
Trata-se de uma discussão ampla do devido valor que as empresas culturais possuem no mercado econômico em contrapartida com a forma como são tratadas perante a bolsa, as Varas de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central Cível, dos empresários em geral e até mesmo da própria sociedade. Quantas empresas altamente lucrativas, com capitais enormes e que empregam centenas de profissionais por anos, especificamente da área cultural participam da BOVESPA?
Acabamos de sair de uma era de trevas para todo o país, sobretudo para a indústria da cultura que não recebeu investimentos desde 2018 e foi fortemente atacada pelo desgoverno de Bolsonaro. Perdemos um Ministério da Cultura que só foi recuperado com a vitória da democracia, 4 anos depois e ainda sim somos obrigado a ver e viver ataques a cultura em pleno 2023?
A decretação da falência de Livraria Cultura não é uma decisão unilateral com vias a beneficiar credores e pensar no melhor para a economia brasileira. É um ataque declarado a cultura, principalmente ao mercado editorial, a história da literatura e da arte contemporânea. É um insulto a soberania da arte e um grito de guerra contra a classe artística que com certeza ficara calada mediante tanta injustiça.
Essa guerra não terá fim e só vai aumentar a medida que a sociedade adoece de tamanha ignorância de vivencias culturais. A vítima da vez tem sido a literatura, depois do cinema que só foi salvo pelas grandes emissoras e a pergunta é: quem será o próximo?
A Saraiva, outra importante empresa da literatura também precisou solicitar recuperação judicial em 2020 e teve seu plano aprovado em 2022 pelos credores, mas não é de se duvidar que em breve o tal juiz – se é que podemos chamar assim alguém que coloca seu bolso acima do direito legal – decrete a falência da empresa também por simples imposição de uma ditadura ideológico que deseja acabar com aquilo que lhes forma. Quando foi que as pessoas chegaram a tal sub-nível de consciência que esqueceram-se do objeto que lhes fizeram crescer, pensar, escrever, digitar, falar e viver? Tudo nasce dos livros e da literatura.
Agora a pergunta que não quer calar é: quando a falência da Americanas será decretada? Já passou da hora dessa balança de Minerva ser equilibrada por aqueles que se prepararam durante anos para fazer isso. É impossível – repito – impossível que tamanha dívida seja quitada no mesmo valor de mercado com juros e correção monetária aos credores. Mas porque se preocupar, não é? A Americanas é importante, a Livraria Cultura não.
Alguns podem até argumentar que são Varas cíveis diferentes, com juízes diferentes e etc. e que o resultado será diferente, mas não é. É o retrato de uma sociedade que não sabe reconhecer seus moldes, de onde provem suas competências singulares e principalmente, que está vendo a catástrofe iminente que nos aproximamos em velocidade máxima e continua de braços cruzados assistindo novela de Moisés durante a semana e aos domingos ouvindo as gritarias dos pastores.
Se trata do reflexo de juízes meramente figurantes, como bonecos na prateleira de Toy Story (Disney Pixar) que fingem fazer alguma coisa, mas quando o questionamos agem como os brinquedos quando o Andy chega ao quarto.
Infelizmente perdemos um importante contribuinte para a fomentação da cultura – apesar das adversidades capitalistas e sociais – no Brasil que durou quase um século. Torcemos para que cenas como essas sejam cada vez menores e que a cultura volte a ser respeitada como deve, principalmente agora com o renascimento do Ministério da Cultura.