Colunista
A função do Diretor – mais uma obra cênica desalinhada
por Leonardo Talarico Marins
Meu prezado Amir Haddad informa o surgimento da Direção Teatral após a desistência do Ator. Como leciona Nilton Bonder, na obra Alma Imoral, não se pode ouvir ensinamentos de forma fundamentalista sob pena de tirania, nem com menosprezo sob pena de imaturidade. A frase de Amir não deve ser analisada sob uma perspectiva literal. É preciso contextualizar e sopesar historicamente a referida assertiva. O mundo, para o bem e para o mal, tem se especializado exponencialmente. O próprio Teatro utiliza-se de inúmeros saberes. A essência cênica está fincada na presença dos atores, mas, bem utilizados, os recursos técnicos disponíveis oferecem possibilidades para um maior esclarecimento à plateia. Tomemos, por exemplo, a evolução e contribuição dramática do desenho de luz. Poderíamos permanecer com as velas de outrora, mas a ambiência proporcionada pelos iluminadores auxilia em demasia no desenvolvimento da história apresentada. Da mesma forma, à guisa de exemplo, temos o figurino, a direção de movimento, adereços, trilha sonora etc. Em observação ampla, perceberemos todos os saberes humanos próximos da realização teatral em algum momento. Hoje, o artista tem a oportunidade de plena concentração no seu mister, bem como poder contar com diversas contribuições de especialistas. Não se ama e nem se faz Teatro sozinho.
A questão é saber onde estará depositada a relevância do ator na equação. Por óbvio, precisa ser latente. Entretanto, alguns dias, assisti a uma obra “dirigida por atores”, e, nesse momento, você percebe a importância de um olhar externo e profissional na Direção. Certamente, o ausente no espetáculo não foi visto porque demanda outros saberes. Dentro da direção há inúmeras funções muito específicas, inclusive pedagógicas diante da atual formação dos operadores teatrais. Utilizarei, sem revelar a obra, como mero exemplo, o espetáculo por mim assistido. O cenário de um espetáculo, sob minha humilde ótica, é o começo do jogo teatral com a plateia. Logo, quanto mais realista o mobiliário menos você acredita na imaginação da sua plateia. E não existe realismo no Teatro, diferente do cinema.
No Palco, somos testemunhas de um acontecimento. No cinema, transportados para outra dimensão. Logo, uma porta cinematográfica não possui o mesmo impacto de uma porta cênica. Ao contrário, a originalidade na solução é o diferencial, é o estímulo da participação colaborativa da plateia. O Teatro argentino, por exemplo, é radicalmente realista na concepção cenográfica, e, com todo o respeito, a reprodução jamais estimulará o cérebro como a implementação de traços criativos e simbólicos do real. Um quarto pode ter paredes e porta ou ser “apenas” um grande tapete. No segundo caso, quem constrói o quarto com você é a plateia. Entrega pertencimento. Convida ao jogo cênico. Em prosseguimento, é preciso cuidar meticulosamente das questões técnicas, haja vista que a redução de frequências sonoras de um ator microfonado pode trazer abafamento na voz e causar estranhamento. Fora o despropósito do microfone com o tamanho da sala. A luz, cada vez mais, tem importância fulcral nas tensões dramáticas, não comportando servir apenas à iluminação do ator. O ator, se necessário, pode e deve ficar no escuro. A direção de movimento tem por condão empurrar a dramaturgia e não servir de distração para longos textos. O artista só caminha para o seu destino. Jamais vai a qualquer canto simplesmente porque no outro canto falou tempo demais e precisa distrair o público movimentando-se um pouco. É preciso fazer uma transferência da ação física à psicológica. Não andar se não for preciso. Faça, mesmo inerte, a cabeça da plateia agitar. O arco dramático do espetáculo deve ser estipulado e dosimetrado para não encurtar ou alargar a potência da obra. A dramaturgia deve estar atrás do ator quando necessário e diante quando imprescindível. A trilha sonora, assim como a luz, não serve à distração, mas como um coral de reforço dramático para a peça enfatizar. Por fim, os próprios atores demandam referência, pois o processo teatral é deveras fechado e não sabemos como estamos ausente digno espelho.
Gostei da obra, da relevância e da honestidade intelectual. Os atores são capacitados, mas a frustração tem por minha definição: “uma potência não desenvolvida”. E assim me sinto ao sair do Teatro. Tanto potencial sem direção.