Música
Frank Jorge: O doutor do rock que mistura Bach, Roberto Carlos e IA em seu laboratório musical
O músico e compositor estará em Curitiba, no The Bowie em um show inédito

Foto: Faena Rossilho
Lenda do rock gaúcho traz ao The Bowie um repertório que mistura clássicos e canções do novo EP em show gratuito; el tipo muy raro fala ao Jornal A Cena sobre sua volta aos palcos, doutorado, rock argentino, cena curitibana e, (porque não?), até de inteligência artificial
Frank Jorge vai bem, obrigado: está nadando todos os dias e tomando as medicações na hora certa. Uma das figuras mais marcantes do rock brasileiro superou uma embolia pulmonar que o fez deixar os palcos por um tempo, lançou “Existe Um Mundo Lá Fora”, EP novo com seis músicas, e está de volta à Curitiba, onde apresenta no The Bowie, nesta sexta (18/04), às 21h, o que enxerga como um “bom problema”. “No show, temos um mundaréu de músicas para escolher. Por isso, quem for vai se divertir bastante com um repertório para cima, para dançar e curtir”, diz o compositor, que promete músicas novas, da Graforréia Xilarmônica, de sua carreira solo e versões de clássicos do rock em apresentação gratuita.
Ao Jornal A Cena, Frank Jorge fala como continua a compor e lançar com frequência, das vivências em Buenos Aires, bandas argentinas e de seu “Un Tipo Muy Raro”, álbum gravado em espanhol. Também responde sobre o lançamento do EP, clipes feitos com inteligência artificial e detalha seu caminho acadêmico até o doutorado – para a sorte dos fãs curitibanos, o laboratório do doutor Frank Jorge continua misturando Roberto Carlos e Bach, Umberto Eco e Chapolin, e experimentando Oswald de Andrade, Tom Zé e punk rock. Acompanhe abaixo as respostas do compositor.
A CENA: Durante toda a sua carreira solo, você lançou músicas com certa regularidade. Nos shows, como você encara equilibrar seus clássicos com os últimos lançamentos?
Frank Jorge: Não lanço por uma obrigação algorítmica. Gosto de lançar músicas com regularidade porque componho com frequência. Tenho um certo cacoete de tentar escrever canções ou tocar violão diariamente, sem uma disciplina específica, mas com constância. Ainda tenho sacolas e sacolas com fitas cassete com trechos de composições e costumo salvar conteúdos diversos no gravador do celular.
No show, temos este bom problema que é um mundaréu de músicas para escolher e tenho a sorte de ter amigos como Fábio Elias, verdadeira enciclopédia ambulante do rock e patrimônio cultural do estado do Paraná, além do Ivan [Rodrigues, baterista de bandas como Chinelada, Gripe Forte e Magaivers] o Rapha [Machado, baixista do Dissonantes e Azul Delírio] que já tocaram comigo outras vezes, grandes músicos. Aí, vou inserindo estes lançamentos recentes aos poucos.
Como foi o processo de composição do EP Existe um mundo lá fora – Lado A?
As seis faixas fazem parte de uma fase que começou em outubro do ano passado com gravações aqui em Porto Alegre, no Hill Valley Studio, com o Davi Pacote, grande amigo, produtor e músico. Entre as músicas, NÃO É PRECISO é uma das prediletas, com umas pitadas ordinárias de The Smiths, Style Council, brega e até música rancheira, e fala sobre ser esquecido de modo geral, por governos, por contratantes ou por afetos. EXISTE UM MUNDO LÁ FORA foi composta durante a pandemia e muito toquei em lives que fazia naquele período. Se encaixou bem neste meu retorno após o recesso obrigatório de março. Gosto bastante desta canção e o timbre/dicção Ramones deixou ela bem rock.
Conte um pouco sobre sua relação com Buenos Aires e como foram as composições para Un Tipo Muy Raro.
Tinha já recordações muito bonitas de um lugar em que não vivi, mas que experienciava através da minha mãe cantando tangos na infância e falando espanhol no cotidiano. É um lugar que tem um cosmopolitismo diferente, uma leitura crítica do comportamento humano e da sociedade. Minha família adorou tudo desde a primeira visita: luz solar, arquitetura da cidade, parques da cidade (Rosedal), o jeito de la gente, a gastronomia, além da riqueza cultural, uma livraria em cada esquina, praticamente. Muitos shows internacionais ocorrem em Buenos Aires e não passam pelo Brasil .Vi um show do Pulp lá no Movistar Arena lotado, com umas 15 mil pessoas. As composições do UN TIPO MUY RARO foram um reflexo natural desta vivência por lá.
As letras trazem um pouco do quanto escutei artistas latinos (principalmente uruguayos y argentinos), e ali estão influências do Andrés Calamaro, Los Auténticos Decadentes, Juana La Loca, Charly García, Fito Páez, Gustavo Cerati, El Cuarteto de Nos, No te va a gustar e, de algum modo, umas esquisitices meio The Kinks 1967 como o Vendedor Ambulante. Boa parte das músicas deste álbum foram escritas em Buenos Aires ou até no ônibus, a caminho da cidade. A arte da capa do disco, que me agrada demais, foi feita pelo grande fotógrafo e designer Victor Hugo Cecatto, querido amigo, recém-falecido, que fez capas também para a Graforréia Xilarmônica e de minha carreira solo.
Como foi o caminho até o doutorado? Existe algum conflito entre se aprofundar em certos estudos teóricos sobre música e manter autenticidade em suas composições?
Não vejo risco de perder a autenticidade diante de um certo rigor acadêmico. Desde sempre, meu lance é misturar, daí vale jovem-guarda e Johann Sebastian Bach, Umberto Eco e Chapolin. Aprendemos a lição antropofágica com modernistas brasileiros (viva, Oswald de Andrade!), tropicalistas (viva, Tom Zé!) e muito do it yourself do punk, new wave e pós punk.
De um jeito meio inconstante mas convicto, sempre gostei de estudar, de ler, de me ver como aluno, aprendiz. Fiquei 16 anos e seis meses como professor e coordenador do Curso Tecnólogo de Produção Fonográfica na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (São Leopoldo e Porto Alegre) e foi uma experiência incrível. No meu mestrado, dei início a um estudo sobre plataformas de streaming digital e curadoria, e um objeto de estudo de enxergar o Spotify como um novo jornalismo cultural, por mais absurdo que isto pareça. Esta linha de estudo justamente é um dos focos / objeto de estudo no doutorado na FEEVALE (Novo Hamburgo) num grupo de estudo (Brasil/ Chile) que pesquisa os hábitos dos músicos nas plataformas de streaming, suas práticas, seus consumos, ações de potencialização do trabalho autoral e assuntos relacionados.
Seus últimos clipes foram feitos a partir de Inteligência Artificial. Como foi o desafio?
Não sou um dos apocalípticos contra o uso de técnicas e usos da Inteligência Artificial. Além disso, o movie-maker Fábio Spolti tem um bom gosto tremendo. Muita sorte a minha que ele me acompanha, curte meu trabalho e traz ideias super interessantes. Foram três clipes com estas novas tecnologias, “QUANDO ME ENCONTRAR”, MÍSTICOS PARAGUAS” e “VENDEDOR AMBULANTE”, todos disponíveis nas plataformas de streaming.
Por falar em clássicos, “Amigo Punk “retratava uma boêmia urbana de Porto Alegre. Como está esse cenário hoje? Fala-se de uma cena curitibana com menos opções para música autoral e acesso cada vez mais restrito à arte. Você concorda com isso?
Acho que Porto Alegre, Curitiba, ou qualquer cidade cosmopolita, passam por estas mudanças, principalmente nesta questão dos bares, casas noturnas e casas de show que o público mais jovem e inquieto elege, por vezes, deixando de lado lugares consagrados por outras gerações, e assim, criando novos ritos, novos points. O criador cultural, seja lá de qual linguagem artística for, tem que fazer seu ofício e se mexer. Por vezes é em momentos adversos que a sua arte é gerada com mais força, vigor. Podem ter bandas covers aqui e acolá, mas o palco do artista é a arte, e não…olhar pro lado e ficar absorto e perdido porque a grama do vizinho é mais verde, como diria um tal Paulo Leminski (gigante!)
Frank Jorge no The Bowie
Quando? Sexta-feira,18 de abril
Que horas? A partir das 21h
Onde? The Bowie – R. Mal. Deodoro, 2500 – Alto da XV, Curitiba – PR
Entrada gratuita