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Música

O monopólio da música: como a concentração de capital ameaça a independência artística

O risco para a música é claro: artistas e criadores podem ser pressionados a se adequar às demandas de mercado, em vez de manterem a autenticidade artística.

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Por Felippe Llerena, Presidente da ABMI e Diretor-Executivo da Nikita Music

A aquisição da Downtown Music Holdings pelo Virgin Music Group, subsidiária da Universal Music Group (UMG), por US$ 775 milhões, é mais um episódio de uma tendência alarmante no mercado musical global: a crescente concentração de capital e poder nas mãos de grandes corporações. Essa transação reflete uma dinâmica que, embora seja apresentada como um avanço para a infraestrutura global da música independente, traz consigo riscos substanciais para a diversidade e autenticidade do setor.

Como especialista com anos de experiência na análise da indústria musical, é impossível ignorar os paralelos entre essa consolidação no mercado musical e movimentos semelhantes em outras indústrias, como a alimentícia e a farmacêutica. Em ambos os casos, a concentração de poder resultou na padronização de produtos e serviços, muitas vezes sacrificando qualidade e diversidade em nome do lucro. O risco para a música é claro: artistas e criadores podem ser pressionados a se adequar às demandas de mercado, em vez de manterem a autenticidade artística.

A Downtown Music, que opera em mais de 20 escritórios espalhados por seis continentes e presta serviços para cerca de 4 milhões de criadores, tornou-se um pilar para muitos músicos independentes. A venda para a Virgin Music Group levanta questões sobre a possibilidade de monopolização dos canais de distribuição e gestão de direitos. Afinal, quando uma corporação controla a infraestrutura que deveria servir de suporte para os independentes, até que ponto essa autonomia permanece intacta?

A concentração de poder no setor musical

A recente captura de companhias que até poucos anos eram autônomas é, portanto, um alerta vermelho para toda a comunidade musical global. The Orchard, AWAL, Som Livre, Proper Music, Altafonte são exemplos de como o capital das multinacionais está redesenhando o setor.

Esse movimento não é isolado, mas parte de uma tendência mais ampla. As grandes marcas estão se expandindo para o mercado de música independente por meio da aquisição de empresas que, até então, operavam com modelos de negócios próprios. Essas aquisições vão além do simples crescimento financeiro e possuem um impacto substancial sobre o ecossistema musical, colocando a diversidade criativa à prova.

O impacto nos criadores e no mercado

Dessa maneira, a narrativa otimista apresentada por representantes da Virgin Music Group, que descrevem a aquisição como um “investimento no ecossistema global de música independente”, merece uma análise crítica. Apesar das promessas de ampliação de serviços e suporte, é difícil ignorar as implicações práticas: com a maior gravadora do mundo ampliando o domínio sobre ferramentas essenciais como distribuição digital, marketing e arrecadação de royalties, os criadores independentes podem enfrentar barreiras ainda maiores para operar de forma sustentável.

A IMPALA, que representa o mercado independente europeu, já expressou preocupações sobre as consequências dessa consolidação. A organização destacou que aquisições como essa “reduzem as rotas independentes para o mercado” e enfraquecem a competitividade do setor. Esse cenário ameaça não apenas os artistas, mas também os consumidores, que podem perder acesso à pluralidade de vozes e estilos.

O que está em jogo é, além da viabilidade financeira de artistas e selos independentes, o próprio futuro da música, que depende de escolhas feitas agora. Permitir que os mesmos nomes dominem o mercado é um caminho arriscado, que pode comprometer a riqueza cultural da indústria. A comunidade independente, unida e fortalecida, se destaca como a melhor esperança para resistir à onda de concentração e garantir que a música continue sendo uma expressão genuína da humanidade, e não mais um produto.

*Luiz Felippe Llerena, fundador e diretor-executivo da Nikita Music Digital, é um empreendedor com uma habilidade excepcional para reconhecer e capitalizar oportunidades de negócios. Formado em gestão de negócios pela FGV e em marketing e negócios internacionais pela New York University, Felipe é considerado um dos pioneiros em distribuição digital na América Latina, desbravando novos caminhos na indústria musical e unindo sua paixão pela música ao empreendedorismo. Além disso, o carioca é um verdadeiro dealmaker, tendo uma capacidade única para negociar e fechar acordos estratégicos que impulsionam negócios musicais com crescimento e inovação. Seu comprometimento em transformar ideias em realidade o torna uma figura inspiradora e influente no cenário empresarial latino-americano.

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