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O significado do setembro amarelo diante do contexto político atual

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O suicídio ganha destaque, mas oculta tantas outras mortes das mãos sujas do sistema político atual

Embora o tema dessa semana não tenha ligação direta com alguma obra literária, toda a situação que ele engloba atinge diretamente a forma como nos relacionamos com essa arte. O mês de setembro chegou e com ele a famosa campanha contra o suicídio, porém, cada vez mais tem se tornado um desafio e tanto para as pessoas que lutam por esse ideal, uma vez que a violência existencial que os seres humanos vem sofrendo tem se agravado cada vez mais. 

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) cerca de 1 milhão de pessoas tiram a própria vida por ano. Isso equivale a aproximadamente uma vida sendo perdida a cada 40 segundos. Então, o meu questionamento é: Se a campanha do setembro amarelo existe a tanto tempo, porque ainda continuamos a ter números tão alarmantes.

E não, não estou questionando a eficácia da campanha, mas o real valor que as pessoas dão a ele. 

É nesse período que as redes sociais ficam todas pintadas de amarelas com flyers lindos com textos chamativos como: PRESTE ATENÇÃO EM QUEM VOCÊ AMA, ou, DEPRESSÃO NÃO É FRESCURA e por aí vai. Contudo, qual a real ação que essas pessoas realizam no dia a dia?

Se compararmos por exemplo com a pesquisa divulgada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, só em 2022 – ou seja, em 6 meses, visto que a divulgação dos dados é de Junho deste ano – o Brasil registrou 47.503 homicídios, isto é, assassinatos. Então, eu pergunto: O setembro amarelo se preocupa de fato com a vida das pessoas ou é só uma forma de tentar reduzir a culpa que carregamos ao percebermos tamanha violência nas ruas?

Só em Agosto foram pelo menos 3 casos que viralizaram na internet sobre violência, em especial contra a população preta. Em julho um riquinho do Leblon atropelou e matou um adolescente porque estava embriagado – até onde se sabe era só álcool – e não teve o mínimo de responsabilidade social. 

A campanha do setembro amarelo tem uma contrapartida linda, ainda mais se conhecermos sua história. O movimento surgiu depois que um jovem de 17 anos dos EUA, Mike Emme, se suicidou. A cor ‘amarela’ se refere ao seu Mustang que ele tanto amava e que pintou de sua cor preferida – amarela – dias antes de tirar a própria vida. O movimento, contudo, só chegou ao Brasil em 2015. 

Parece não fazer sentido a campanha de setembro com as eleições e muito menos com a literatura, mas já vamos chegar lá. Antes de mergulharmos de fato na convergência dos assuntos, é preciso que façamos uma outra reflexão: A quantidade de pessoas vítimas de homofobia dentro das religiões ditas católicas – sejam elas protestantes ou apostólicas – é alarmante. Se uma instituição que diz levar a palavra de Deus aja de maneira tão diabólica a ponto de gatilhar transtornos depressivos, chega a ser hipócrita levantar o livro sagrado no alto e carregar no pulso uma pulseira amarela, não é?

Por outro lado, caminhando agora para o segundo ponto a ser abordado no texto de hoje, 2022 chegou com as eleições para presidente mais histórica desse país. Duas grandes forças completamente opostos (Lula X Bozo) disputam o cargo mais importante. Mais uma vez vemos uma polarização da população entre direita e esquerda dominando todos os cantos do território nacional, sendo a minoria aqueles que não se manifestam ou escolhem outros candidatos menos potentes. 

Contudo, não estou aqui para debater pautas políticas de campanha – o que deveria por sinal, pois é importante, não adianta tentarmos ignorar um assunto tão primordial, mas… – trago a questão da violência, tema chave da coluna de hoje. Em 2021 o fingido a presidente publicou um decreto que foi decisivo para o salto de medo, antipatia, violência e guerra entre os brasileiros – e não, não estou exagerando, veja só – mais conhecido como o decreto que facilita o porte de armas de fogo. 

Se a sua incapacidade de perceber o real objetivo de uma decisão como essa em instaurar um sítio nacional de violência humana, de fogo cruzado, então você não está pronto para viver em comunidade. Retorne para a alfabetização. Facilitar o acesso da população, já tanto desmantelada pelas políticas públicas, pela dificuldade em acessar seus direitos básicos como moradia e alimentação em meio a uma calamidade pública diante de um vírus mortal que dizimou com o planeta, a armas de fogo, é amarrar o pescoço de cada brasileiro na forca. Prova viva disso é o assassinato do tesoureiro do PT em julho por um bolsonarista. Outro exemplo disso é a quantidade de ataques de drones com fezes e urina à eventos dos partidos de esquerda. Mais um exemplo é a morte do jornalista Dom Phillips na Amazônia que claramente foi vítima do garimpo ilegal, apoiado e presidido pelo então Jair Messias Bolsonaro. 

Assistimos por mais de 12 meses uma luta incessante dos governos estaduais e municipais de fazerem a população executar o básico, que era o respeito pela vida do próximo com um simples ato de ficar em casa e não proliferar o vírus da COVID-19. Nesse período, vimos pessoas morrendo sem ar, enquanto o bobo da corte chamado Bolsonaro imitava essas pessoas. Enterramos mais de 600 mil pessoas, enquanto outras não usavam máscaras e diziam ser tudo um grande exagero e não se passar de uma pequena gripe. 

Meses se passam e uma chacina acontece no morro do Alemão, no Rio de Janeiro, com 28 mortos (2021) e outra com 17 mortos (2022) e ninguém fala nada. No primeiro semestre deste ano ouvimos de uma juíza de direito, essa que foi confiada ao poder supremo da lei do Estado, que uma criança de 10 anos poderia aguentar mais um pouquinho e ninguém faz nada. No ano passado, um levantamento feito pela Rede de Observatórios da Segurança avaliou que 86% dos mortos em ações policiais somente no RJ eram pretos. Ainda em 2021 foram mais de 4,2 mil mortes na fila de transplantes de órgãos, esperando por uma cirurgia e ninguém fala nada. 

De 2018 para cá, com a banalização da vida, do movimento de deslegitimar a dor alheia e principalmente, do desrespeito com a vida do próximo, fizeram desse país um verdadeiro campo de guerra. Segundo a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen), só em 2020 foram 1,45 milhões de pessoas que morreram no Brasil que se tem registrado – englobando todas as causas. Esse número corresponde a mais de 10% do número total de mortos pela Primeira Guerra Mundial, ou seja, estivemos – só em 2020 – em um período pré guerra civil sem nem nos darmos conta. 

Diante dos fatos expostos, é preciso correlacionar com a arte literária e talvez esse seja o maior desafio até aqui. A literatura nos traz uma importante vertente quando nos presenteia com obras como 1984 (George Orwell) que tanto falo aqui, como também O Diário de Anne Frank (Anne Frank), A Menina que Roubava Livros (Markus Zusak) entre outros, isso que só trouxe títulos best-sellers, sem contar as inúmeras obras vítimas da exclusão das prateleiras pagas das livrarias. Essas obras não foram escritas à toa, em palavras soltas ao vento com uma ficção novelesca batida e clichê. São obras pensantes, críticas, reflexivas e políticas que podem nos dar muito pano na manga para nos fazer refletir sobre a violência instaurada em países europeus que não se deram conta da gravidade da situação que estavam se metendo antes que o resultado fosse catastrófico demais. 

Tudo isso posto, eu retorno a pergunta do começo do texto: Setembro amarelo para quem?

O combate ao suicídio acontece de fato para aqueles o qual o sistema visa interessar ou a campanha também se estende para  o adolescente que é obrigado a trabalhar no tráfico para não morrer de fome: 

Todo esse movimento do medo, da instauração do caos é estudado profundamente por Baruch Espinosa quando traz a Teoria dos Afetos em uma de suas obras. Para o filósofo, existe os “Afetos Potentes”, cujo os que nos dão forças políticas para erguermos bandeiras que convém com nossos ideias – o que por exemplo em um cidadão de verdadeiro bem e seguidor cristão é o respeito e amor ao próximo como a ti mesmo – e em contrapartida os “Afetos Tristes” que nos tiram a capacidade de luta. 

Estaríamos nós injetando durante 11 meses, excluindo unicamente setembro, na sociedade estes afetos tristes e em um único mês – o nono, o mesmo que representa o período geracional do ser humano – os “afetos potentes” a fim de amenizar os impactos perceptíveis e impulsionar para novos medos (impactos imperceptíveis)?

Para encerrar, quero deixar bem claro que não sou contra a campanha de prevenção ao suicídio, pelo contrário, ela deve de fato existir e deveria ser potencialidade, atingindo os âmbitos escolares e principalmente de trabalho, onde a violência verbal prevalece o tempo inteiro. Todavia, questiono o verdadeiro significado social da mesma, a sua essência extraída no elixir da significância da existência da vida alheia, pois como podemos ver, não adianta termos um mês de luta e outros onze de descanso. É descompensado, é ilegítimo. 

O nosso setembro amarelo precisa se estender para o dia 02 de outubro quando entrarmos na cabine de votação. Ali será um ato legítimo de movimento social contra a normalização da morte e da violência. Não sejamos hipócritas em postarmos fotos de setembro amarelo se no mês que vem estaremos elegendo alguém que se diz não ser coveiro para se preocupar com a morte de milhares. 

Levantemos a bandeira amarela contra o suicídio sim, mas tendo clara consciência que a depressão não é uma situação gerada por outra isolada, mas uma união de forças contrárias que sufocam a existência alheia. A depressão também vem daqueles que tiveram que enterrar seus pais por falta de vacina, por aqueles que tiveram seus filhos e filhas mortos nas mãos sujas da Polícia ou por aqueles que estiveram lutando juntos na esperança de uma cura para aquilo que a medicina já diz ser avançada, como um câncer ou um transplante. Ela também nasce daquelas que precisam conviver com seus estupradores diariamente, porque a violência doméstica é normalizada por um fingido presidente machista e misógino. A depressão também nasce da fome, da falta de oportunidade, da falta de direitos básicos e de tantos e tantos outros gatilhos propulsionados por uma sociedade escravocrata e fétida, que no seu pulsante, nas sua entranhas passa por cima de quem pede socorro… ou para alguns brasileiros, queima com pólvora aqueles que só querem a vida que lhes foi garantida.  

REFERÊNCIAS:

Tempero Drag: O medo como afeto político. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=cniQzsEieJA . Acessado em 05 de setembro de 2022.

Tempero Drag: Setembro amarelo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Ai4FJRjTTd4. Acessado em 05 de setembro de 2022.

Super Interessante: Gráfico: Quantas pessoas nascem e morrem a cada no Brasil. Disponível em: https://super.abril.com.br/coluna/oraculo/infografico-quantas-pessoas-nascem-e-morrem-a-cada-ano-no-brasil/. Acessado em 05 de setembro de 2022.

G1.com: Estudo diz que 86% dos mortos em ações policiais no RJ são negros, apesar de grupo representar 51,7% da população. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/12/14/estudo-diz-que-86percent-dos-mortos-em-acoes-policiais-no-rj-sao-negros-apesar-de-grupo-representar-517percent-da-populacao.ghtml . Acessado em 05 de setembro de 2022.

AMB: FIla de espera por transplante no país cresce 30,4% e chega a 50 mil pessoas. Disponível em: https://amb.org.br/brasilia-urgente/fila-de-espera-por-transplante-no-pais-cresce-304-e-chega-a-50-mil-pessoas/#:~:text=Bras%C3%ADlia%2C%20urgente-,Fila%20de%20espera%20por%20transplante%20no%20Pa%C3%ADs%20cresce%2030%2C4,Paulo.  Acessado em 05 de setembro de 2022.

G1.com: Em 14 meses, Rio registra 3 das 4 operações mais letais da história com mais de 70 mortos. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2022/07/22/em-14-meses-rio-registra-3-das-4-operacoes-mais-letais-da-historia.ghtml. Acessado em 05 de setembro de 2022.

É autor, ator, dramaturgo e produtor brasileiro. Nascido em Tangará da Serra – MT, publicou seu primeiro livro aos 14 anos e o segundo aos 16. Em 2017 se mudou para Curitiba onde iniciou sua carreira de ator, produtor e dramaturgo. Em 2019, produziu e dirigiu a serie Dislike. Em 2020 publicou seu drama de estreia, Cartas para Jack. Em 2021 lançou a série de contos intitulada Projeto Insônia.

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