Teatro
Fim de temporada
O teatro paulistano já está em clima de encerramento das atividades deste ano e várias encenações terão suas últimas apresentações neste final de semana. Aqui me proponho a refletir sobre três delas, sem a expectativa de esgotá-las, mas é apenas uma forma de sinalizar que a lógica de “o que é bom fica para o final”, parece ter sido respeitada.
por gabriel m. barros
O teatro paulistano já está em clima de encerramento das atividades deste ano e várias encenações terão suas últimas apresentações neste final de semana. Aqui me proponho a refletir sobre três delas, sem a expectativa de esgotá-las, mas é apenas uma forma de sinalizar que a lógica de “o que é bom fica para o final”, parece ter sido respeitada.
Diante dum cenário em que mulheres foram as ruas em todo o país no último domingo, dia 07/12/2025, reivindicando o direito de existir, a peça Alices (que fica em cartaz até dia 13/12), com dramaturgia de Jarbas Capusso Filho e direção de Joana Dória, torna o encontro de duas Alices no mote para se refletir sobre a violência de gênero e a misoginia. A própria forma como a temática vai se apresentando, os silêncios, as tensões, são formidavelmente construídas pelas atuações sensíveis de Fabia Mirassos e de Nicole Cordery. A encenação trabalha com a ideia da espera, enquanto as próprias histórias vão sendo contadas e relembradas. O Godot aqui é a espera de dias melhores, de uma história outra.

Ao pensar em história outra, é pertinente refletir como a própria construção histórica em vários contextos se dá, principalmente, por apagamentos, camuflagens, negações. Alices trabalha nessa direção de ficcionalizar distintas histórias de mulheres que são reiteradamente apagadas e, por sua vez, o espetáculo Vinte! (que fica em cartaz até o dia 14/12), procura resgatar a presença negra na década de 1920, a partir da Cia Negra de Revistas e o resgate da peça Tudo Negro, porém trazem consigo Lélia González, Beatriz Nascimento, nego bispo, enfim um resgate histórico de várias presenças negras. Com idealização, texto, dramaturgia e atuação de TainahLongras, mais a direção de Mauricio Lima e as atuações de AfroFlor, Felipe Oládélè e Muato, o espaço do palco se torna pequeno para o que se rememora e representa, com isso a movimentação cênica do grupo é, por si só, um espetáculo próprio, a forma como a lógica do palco italiano não cabe mais para contar uma história que vibra nos corpos a brasileira. Além disso, o trabalho musical, do Muato, é espetacular.
O texto não fica apenas circunscrito na recuperação do que foi a Cia Negra de Revistas, passa também por permanências, mas destaca o lugar das frestas, das brechas e da própria lógica temporal que pelo ocidente é compreendida como linear, contudo nessa encenação tratam do tempo cíclico e desse vértice que todos estamos envolvidos.

E do vértice, da agitação, do movimento (Um) Ensaio sobre a cegueira (que fica em cartaz até o dia 14/12), do Grupo Galpão, leva essa tônica ao seu máximo, caracterizando o evento do ano. O anúncio do grupo em São Paulo é sempre algo disputadíssimo e que, para aqueles que conhecem o trabalho deles, já produz uma expectativa. Dessa vez, contando com a direção fabulosa de Rodrigo Portella, foram para o clássico literário de José Saramago, algo que, a primeira vista, pode parecer distante do aspecto marcante no grupo que é a sua aura circense, que, entretanto, se torna o grande ganho: o quanto a solidez dos artistas, a naturalidade que dão para as cenas, e a forma de envolver o público faz o espetáculo ganhar um contorno todo próprio. O teatro pulsante do grupo só se dá pela naturalidade que eles conseguem inserir em cena a própria plateia, que vai se tornando personagens e vítimas da cegueira branca, contada na história. De forma extremamente orgânica o público integra o espetáculo e, se em Vinte! o palco se torna pequeno, aqui o Grupo Galpão vai demonstrando ao longo de toda a peça que todo espaço é espaço cênico, inclusive com os artistas saindo em cena (só essa cena já daria ensejo para um texto próprio, a forma como a saída de cena, o silêncio e a tensão, se constroem é duma assertividade que engole o público).

Mateus Lustosa/Grupo Galpão/Divulgação
Ainda teria muito a ser dito sobre cada um desses espetáculos, que bom que não sinalizei missa metade sobre nenhum dos três. O que importa é destacar que na fineza das escolhas de cada um deles revelam que a arte ainda é o espaço para nos revirar e nos recolocar no mundo, é o espaço do encontro e do confronto, é o espaço do espontâneo, do vértice, e do convite mais sincero e orgânico para que possamos reivindicar o viver para todas as pessoas, sem exceção.

