Teatro
Cabaré Chinelo não tem respiro, não tem esperança, é soco no estômago
por Vanessa R Ricardo
É um musical, mas não existe entretenimento. Cabaré Chinelo é muito mais que um espetáculo musicado, é um cavalo de Troia, como bem disse o dramaturgo e diretor do Ateliê 23, Taciano Seixas, em entrevista na coletiva de imprensa, durante o Festival de Curitiba. Cabaré Chinelo é um espetáculo de denúncia, é o tirar de tapete e sacudir toda a poeira e sujeira varrida há muito tempo. No país, inclusive, isso é mais comum do que se imagina. O Brasil e sua história, é feita de sujeira varrida para debaixo do tapete
Ao chegar no teatro recebemos um convite para entrar no cabaré, apresentando um QRCode que nos dá acesso a recortes de jornais que ajudam a conhecer a história contada no palco. Assistindo as primeiras cenas fica claro que não será uma história fácil, ainda mais sabendo que ela é baseada em histórias reais.
O Ateliê 23, grupo de Manaus se debruçou na pesquisa do historiador Narciso Freitas, que estudou o meretrício criado durante a Belle Époque manauara, quando Manaus era conhecida por ser a Paris brasileira, proporcionada pela glória e o dinheiro vindo da extração da borracha. O grupo partiu da tese de mestrado de Freitas para contar as histórias apagadas de mulheres que foram colocadas compulsoriamente na prostituição.
No palco, 14 atrizes dão voz e emprestam o corpo para contar a história de violência e meretrício que mulheres passaram entre o período de 1900 a 1920, em Manaus, com apoio do governo e da elite manauara.
O espetáculo que teve a sua estreia em 2022, no Teatro Gebes Medeiros, ao lado da Praça do Congresso em Manaus, já viajou por diversas cidades do país, passando por festivais e ganhando prêmios. Em 2023, o espetáculo foi indicado à categoria “Energia Que Vem da Gente”, no Prêmio Shell de Teatro, uma das premiações mais importantes dedicada às artes cênicas do Brasil. E desde a sua estreia, por onde passa, os ingressos esgotam. E no Festival de Curitiba não foi diferente. Com todas as sessões esgotadas.
É de fato a importância de Cabaré Chinelo, pois descortina, apresenta uma história apagada por mais de cem anos, mostra um novo olhar a aclamada Belle Époque em Manaus. Deixo aqui também o meu elogio para todas as atrizes. São potências por trazerem diferentes nuances a uma história cheia de violência. Além da história que se passa no palco, outras micro ações acontecem no mesmo espaço, o que ajuda na narrativa. Mas não tem respiro, não tem esperança. Cabaré Chinelo é soco no estômago, é reflexão.
Enquanto assistia me perguntava: o que mudou de lá para cá? É só dar um google agora, que encontrará diversas notícias de jovens e mulheres que são aliciadas para a prostituição. Não muito longe, no início de 2024, se revelou para todo país a situação de exploração infantil que acontece na Ilha do Marajó, mas não é só lá, esse tipo de situação acontece em todo país. Nada mudou. É impensável que em pleno século XXI, em 2024, essas histórias de violência continuem a acontecer, violações que se perpetuam através do tempo.
Recomendo Cabaré Chinelo, mesmo que ele possa trazer gatilhos, principalmente para mulheres, é uma história necessária, que precisa ser contada e conhecida. É o tirar a sujeira debaixo do tapete, é utilizar o fazer teatro para descortinar uma história de apagamento.
Cabaré Chinelo está em terceiro lugar no meu top três das peças que assisti na Mostra Lúcia Camargo, durante a 32ª edição do Festival de Curitiba. Trarei no próximo texto o top 2. Acompanhe.
O espetáculo é uma produção do Ateliê 23. Com direção de Taciano Soares e co-direção de Jazmín García Santhicq. Dramaturgia assinada por Eric Lima e Taciano Soares. Elenco: Allícia Castro, Ana Oliveira, Andira Angeli, Bruna Pollari, Daniely Peinado, Daphne Pompeu, Emily Danali, Eric Lima, Fernanda Seixas, Julia Kahane, Sarah Margarido, Taciano Soares, Thayná Liartes, Vanja Poty e Vivian Oliveira.