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Teatro

A guerra (e o sonho) em estado físico em “O soldado, a tigresa e uma outra história”

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Por Carlos Canarin

Outra grata surpresa para mim dentro dos espetáculos do FRINGE do Festival de Curitiba foi “O soldado, a tigresa e uma outra história”, solo de Douglas Kodi que foi apresentado no espaço Alfaiataria. Na verdade, devo confessar que caí de paraquedas no espetáculo, pois calhou de meus amigos e eu estarmos procurando algo para assistir na tarde chuvosa do penúltimo dia do evento. E foi então que encontramos a divulgação da peça, que pelo nome dizia tudo (e nada) ao mesmo tempo.

A montagem ambiciosa protagonizada por Kodi gira em torno da história do bisavô da personagem principal, que teve o sonho de lutar numa guerra (provavelmente em algum lugar na Ásia), idealizando essa situação como algo incrível, heroico. (E aqui foi impossível não lembrar dos kamikazi na Segunda Guerra Mundial). Mesmo sendo desacreditado por sua família, ele acaba alcançando seu maior objetivo, que se mostra aos poucos ser na verdade um grande desastre. Acontece que, uma vez ferido mortalmente durante uma batalha, ele é deixado por seus companheiros para morrer. Ao invés de aguardar a morte, ele sai caminhando sem rumo e encontra a caverna-casa de uma tigresa e seus filhotes. A partir daí, tudo se inverte: a sentença de morte se transforma, então, em possibilidade de vida.

Atribuo o adjetivo ambicioso para a peça pois ela é realmente um desafio: o ator está sozinho em cena e tudo está pautado na voz, no corpo e nos estados de presença dele. Não existe nenhum tipo de adereço cênico ou cenário que pudesse ajudá-lo. Apenas a iluminação é utilizada enquanto recurso de encenação para ajudar a dar o tom das situações nas quais a personagem vai desenvolvendo a narrativa. E aqui, como em Menina Mojubá, a narratividade é o motor para que a trama seja desenrolada, personagens, lugares e situações são vividos e corporificados pelo ator. E, sem sombra de dúvidas: Douglas Kodi é um excelente ator e um ótimo contador de histórias.

A atuação de Kodi é envolvente e já nos prende desde o início. E ah, como é bom ver um ator se divertindo em cena! Como é interessante ver um artista se encantando, brincando com as palavras, como se aquilo tudo fosse novo para ele, como se ele nunca tivesse feito isso antes. O teatro por vezes vira mecanizado e o medo de errar faz com que os atores e atrizes não consigam chegar a um estado de presença tão interessante. Outra coisa digna de nota é o trabalho corporal do ator, que nos apresenta momentos onde seu próprio corpo vira cenário, ao mesmo tempo em que a peça mais parece um circuito de exercícios físicos – como a preparação de um soldado para a guerra.

Na minha opinião, o texto dramatúrgico poderia ser encurtado do meio para o final, pois a ideia de um realismo fantástico é passada com êxito já com a chegada da Tigresa em cena e talvez fosse interessante deixar algumas pontas da história ainda mais soltas para quem está assistindo. Mas é impossível negar que Douglas Kodi consegue entregar um espetáculo (que mais se parece com uma viagem em seus mais diferentes sentidos) envolvente e com ares cômicos, mas que também reflete sobre a violência da guerra de uma forma tão sensível e poética. Foi realmente um ótimo achado nos 45 minutos do segundo tempo do Festival.

“O soldado, a tigresa e uma outra história” é uma produção do Teatro do Alvorecer. Dramaturgia, direção e atuação: Douglas Kodi. Livremente inspirado nas obras de Claudio Seto, Paulo Leminski, Dario Fo e Hiroo Onoda. Preparação corporal e direção de movimento: Cláudia Sachs. Preparação e direção vocal: Barbara Biscaro. Colaboração artística: Ricardo Nolasco. Assistente de direção: Michelle Malc. Figurino: Sandra Canônico e Douglas Kodi. Concepção de luz: Clever d’Freitas. Operação de luz: Marcelo Felczak.

 

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