Opinião
Memórias de vítimas do machismo é tema de peça teatral
Por Igor Horbach
O espetáculo Memórias teve sua estreia ontem (10) no Teatro João Luiz Fiani e trouxe uma reflexão pertinente para o machismo na sociedade e o impacto que pode causar nas vítimas.
Com texto adaptado de Tennessee Williams, a peça conta a história de Vera, uma mulher rica da década de 90, casada com John, um homem machista e mulherengo que toda vez que sai de casa, acaba a traindo com outra mulher. A cada traição, as mulheres se apaixonam por ele e precisam lidar com o fato de serem só um passa tempo e de que nunca serão amadas por ele.
A discussão mais importante da peça, em meu ponto de vista, é de como a cultura do “pegador” pode destruir emocionalmente muitas mulheres. Ainda é alto o número de homens desonestos que acabam criando centenas de “contatinhos” e não desenvolvendo afeto por nenhuma. É claro que o oposto também acontece, mas frutos de uma sociedade patriarcal e machista, onde as vítimas (mulheres) incompreendidas, acabam se rebelando à mesma moeda. A discussão que o texto levanta é essencial nos dias de hoje.
A peça com cerca de uma hora de duração é capaz de prender nossa atenção nos primeiros minutos através de diálogos de discussões calorosas que transmitem um gosto de “a onde isso vai dar?”. A todo instante somos incentivados pelo texto a pensar que as mulheres são erradas por terem acreditado no homem, ao ponto que desejamos o encontro conflitivo delas, porém, quem é o verdadeiro vilão?
O elenco transmite a essência dos personagens com suavidade e flexibilidade, trazendo os sentimentos à frente do palco. Nos coloca diante de seus problemas e transforma, o tempo todo, o olhar do público sobre ele. Em um momento, somos capazes de condenar uma personagem por seus atos, na cena seguinte, é impossível não perceber o quão vítima ela é.
Embora a preparação vocal e corporal dos artistas não tenha sido aprofundada como deveria, os personagens foram construídos com detalhes preciosos na caracterização e trejeitos que diferenciam suas personalidades efêmeras.
O figurino é típico da época, o que me fez pensar a demasiada e enrolada evolução dos homens ao longo dos tempos, uma vez que muitos ainda utilizam terno e gravata como se fossem pele.
Já o cenário, modesto, mas essencial, já que a troca maior do texto e dos personagens se dá de forma corporal. Talvez, seja interessante explorar mais dos objetos de cena enquanto as discussões acontecem e os pontos de virada do roteiro ocorrem, para elevar o nível da experiência do interlocutor.
A trilha sonora é compatível com o texto, porém deixa muitos momentos vazios que poderiam ter sido potencializados com a faixa certa. A exemplo, o clímax do texto quando Vera confronta a todos, impedindo-os de sua libertação, já que para a personagem é impossível sair da vida de vítima.
Tudo isso se deve a direção da peça, que consegue pensar em como o público mergulha nas histórias que vão sendo traçadas pouco a pouco. Mas ainda assim, tanto o texto, quanto a direção, não nos permitem aprofundar nelas, propositalmente, deixando o público com a expectativa de saber mais daqueles personagens, que fim os levou e principalmente, como tudo começou. A peça é apenas um recorte histórico minúsculo na vida dos personagens que pode ser ampliado para uma catarse elevada dos interlocutores.
Além disso, o cuidado da direção em ambientar o público ao universo da peça é admirável. Ao entrar no teatro já é possível sentir um aroma diferente proveniente de um incenso, a música típica da época, vão nos transportando aos poucos. Ou seja, Memórias traz para o público uma área muito estudada do Teatro, mas pouco aplicada na prática ainda nos dias de hoje: a mediação teatral. Elemento importantíssimo para ambientação.
De maneira geral, Memórias é uma produção que merece atenção do público e oportunidade para ser consumida, sem preconceitos das grandes produções. É uma peça em potencial que pode vir a ser adorada por grande parte do público, mas que ainda sim precisa de reajustes nos pequenos detalhes que somados ao todo podem, com facilidade, levar o público ao auge da catarse.
A produção teve direção de Shaiane Luz e no elenco estiveram Bruno Almeida, Renata Araujo, Júlio César, Rute Ramos, Gabriel Lucas e Evelyn Muller, além da própria diretora, Shaiane Luz.