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Teatro

Peça é um ato de apelo para que o amor não morra nem mesmo no ato de dor mais profunda

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Por Igor Horbach

A peça “Lia” passou por Curitiba na noite de sábado (12) no Teatro Regina Vouge EBANX e traz um forte apelo mais do que primordial da necessidade humana de se amar. Com direção de Talia Laranjeira, texto e atuação de Hugo Andrade, o monólogo discorre sobre a dor da saudade, do luto, da luta e do peso do amor. Amor esse que é chumbo de quem fica e pluma para quem vai. 

A peça narra a história de uma mãe do interior, cujo precisa lidar com a perda de seus filhos, em especial de Lia, uma filha deficiente que lhe é, em suas palavras, seu anjo da guarda. A medida que conhecemos mais da história sofrida da personagem, mais vemos o quão verdadeira e próxima de nós ela é. A todo o tempo, a personagem clama para que o público ame enquanto há tempo. “Se gritamos tanto pela dor, como na raiva, porque não gritamos pelo o amor”, diz ela em um momento.

O texto é construído de forma delicada e impecável, com a atenção para os personagens que não vemos, mas que passamos a senti-los. Não é necessário se fazerem presentes de corpo, pois cada um deles estão em alma. A certo ponto da peça é impossível segurar as lágrimas de uma mãe que mesmo diante de tanto sofrimento ainda se mantém de pé, esperançosa de que tudo vai ficar bem, de que não está sozinha e que o amor pelos seus filhos será suficiente para aguentar tudo.

Ao mesmo tempo que nós emocionamos com suas dores e sua vontade de continuar lutando, é possível rir muito com o jeito simples de ver, levar e se expressar da personagem. O rompimento da quarta parede traz uma forma diferente, não inovadora, mas de certa forma, pouco explorada pelos contemporâneos e modernistas ao acolher o público em cena, literalmente, com café e pão.

É possível esquecer que se trata de dramaturgia ensaiada, no sentido mais potente do termo, e acreditar fielmente de que estamos ali, em uma roda, ouvindo histórias de nossos avós. A todo instante, é como se estivesse me conectando novamente com minha avó distante e ouvindo seus “causos” de quando era criança.

A atuação de Hugo é afirmada em cima de trejeitos únicos, frenéticos e com sotaque pesado que deixa o termo “atuar” no chinelo e adere a ele uma nova visão: vida. Nós sentimos próximos, diante daquela senhora com vida tão sofrida, nós emocionamos com seus relatos verdadeiros, que passa despercebido o fato de antes de iniciar a peça de fato, o ator tenha se apresentado ao público de camiseta e bermuda. 

De figurino simples e típico de senhoras do interior em sítios, o ator utiliza de seus inúmeros acessórios em pano para dar forma, quando muito necessário, as personagens que ali vivem. Com cenário simples de um varal de roupas e sacos de café, Hugo se debruça na essência que ele transmite em sua cumplicidade cênica. É dali que nós surge o café passado na hora do pãozinho caseiro de vó.

A direção é exemplar na forma que constrói as cenas e utiliza todos os objetos cênicos de forma que cada um deles tem sua presença especial no texto, na cena e no sentimento da personagem.

“Lia” é um monólogo necessário para aqueles que acham a morte uma coisa longe de ser vivida, para quem acha que por ser natural pode ser subestimada e principalmente, para aqueles que se esqueceram de quase 700 mil mortes na pandemia. A todo instante de dor e sofrimento da personagem eu me perguntava: quantas pessoas não choraram assim em 2020 e 2021? Quantos ainda gritam de dor por aqueles que já foram? 

Além disso, é um ato de valorização do amor, do agora, do presente de estar vivo e do lado de quem amamos. É a legítima afeição da vida como ela é, simples, mas poderosa. Forte e com amor. 

Sem dúvidas, é uma peça que merece os palcos do Brasil e do mundo com uma mensagem que jamais será clichê, que dá a importância que a vida precisa e a reflexão de que nós precisamos, antes que nos debruçamos sobre os túmulos daqueles que não importam sem antes ter dito um eu te amo.

É autor, ator, dramaturgo e produtor brasileiro. Nascido em Tangará da Serra – MT, publicou seu primeiro livro aos 14 anos e o segundo aos 16. Em 2017 se mudou para Curitiba onde iniciou sua carreira de ator, produtor e dramaturgo. Em 2019, produziu e dirigiu a serie Dislike. Em 2020 publicou seu drama de estreia, Cartas para Jack. Em 2021 lançou a série de contos intitulada Projeto Insônia.

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