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Música

Morre Jards Macalé, um dos nomes mais inquietos e essenciais da música brasileira, aos 82 anos

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Foto: Jóse de Holanda

O Brasil se despede de um dos artistas mais indomáveis e singulares da sua história. Morreu nesta segunda-feira (17), aos 82 anos, o músico, cantor e compositor Jards Macalé. Ele estava internado em um hospital no Rio de Janeiro para tratar problemas pulmonares e faleceu em decorrência de uma parada cardíaca.

Figura central para compreender a música brasileira da segunda metade do século 20, Macalé construiu uma trajetória marcada por liberdade estética, parcerias históricas e uma recusa radical a qualquer forma de enquadramento.

A voz que nunca se dobrou

Nascido no Rio de Janeiro, Macalé teve formação musical sólida, estudou violão, violoncelo, orquestração e análise musical e, desde cedo, transitou entre seresta, jazz, samba-canção, bossa nova e experimentações que mais tarde o aproximariam do Tropicalismo.
Mas, apesar da convivência com Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa, nunca quis ser rotulado como tropicalista. Macalé foi sempre Macalé: livre, crítico, dissonante.

Suas parcerias com Waly Salomão, Torquato Neto, Capinam e Jorge Mautner resultaram em algumas das obras mais contundentes e poéticas da MPB. Como arranjador e compositor, também deixou sua marca no cinema e no teatro, colaborando com nomes como Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos.

Discos e canções que viraram culto

Macalé lançou álbuns que hoje são considerados clássicos da música brasileira. Entre os mais emblemáticos:

  • “Jards Macalé” (1972) — seu disco de estreia solo, um marco pela mistura de rock, samba, experimentalismo e poesia.

  • “Aprender a Nadar” (1974) — impregnado pelo clima de repressão política da ditadura.

  • “Contrastes” (1977) — uma síntese poderosa de suas referências.

  • “Let’s Play That” (1983) — registro livre e improvisado ao lado de Naná Vasconcelos.

  • “Besta Fera” (2019) — um retorno vigoroso, com novas parcerias e uma estética afiada.

  • “Coração Bifurcado” (2023) — seu último disco de inéditas, dedicado às múltiplas formas do amor.

Entre suas músicas mais conhecidas, estão:

  • “Vapor Barato” — um hino atemporal regravado por diversas gerações.

  • “Mal Secreto” — crítica à hipocrisia social, com arranjo emblemático.

  • “Farinha do Desprezo” — uma de suas interpretações mais potentes.

  • “Hotel das Estrelas” — parceria com Duda Machado, celebrada por grandes intérpretes.

  • “Gotham City” — um retrato poético e sombrio das metrópoles brasileiras.

Um legado que não se apaga

Macalé era, antes de tudo, um artista de postura. Intransigente com a própria arte, não cedia ao mercado, não aceitava rótulos, não negociava liberdade. Essa coerência fez dele um símbolo um farol para músicos que buscam caminhos não óbvios.

Participou de momentos históricos, como o Banquete dos Mendigos, show organizado por Jards que teve a participação de diversos artistas, em comemoração dos 25 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1973, lançado com um LP duplo em 1979. Mesmo aos 80, continuava inquieto, lançando discos, fazendo shows e sendo referência para novas gerações de artistas independentes.

Jards Macalé deixa uma obra que não se explica  se vive, se escuta, se atravessa.
Um artista que fez da fricção um gesto poético, e da contradição, uma assinatura.

O Brasil perde Macalé.
A música, não: essa continua com ele, indomável, acesa, eterna.

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