Literatura
Dalton Trevisan faria 100 anos hoje: o Vampiro de Curitiba e sua literatura imortal
Trevisan fez da capital paranaense seu universo narrativo, explorando com ironia, melancolia e crueza as entranhas da vida urbana.

Neste 14 de junho de 2025, o Brasil celebra o centenário de nascimento de Dalton Trevisan, um dos mais geniais e enigmáticos escritores da literatura nacional. O chamado Vampiro de Curitiba faleceu em dezembro do ano passado, aos 99 anos, deixando uma obra monumental e um mistério que atravessa gerações.
Nascido em Curitiba, em 1925, Dalton Jérson Trevisan foi advogado antes de se dedicar integralmente à literatura. Ainda jovem, fundou e editou a revista Joaquim (1946–1948), ao lado de nomes como Otto Maria Carpeaux, Mário de Andrade e Carlos Drummond de Andrade. A publicação já anunciava a inquietação estética que marcaria sua carreira: linguagem precisa, visão crítica e olhar agudo para os dramas cotidianos.
Trevisan fez da capital paranaense seu universo narrativo, explorando com ironia, melancolia e crueza as entranhas da vida urbana. Seus contos curtos, secos e incisivos eternizaram tipos como o funcionário público frustrado, a mulher traída, o jovem violento e o velho solitário — figuras corriqueiras, mas tratadas com a densidade dos grandes dramas humanos.
Um estilo inconfundível
Trevisan criou um estilo que se tornou escola: frases curtas, enredos compactos e um domínio absoluto da elipse e do subtexto. Sua prosa minimalista influenciou toda uma geração de contistas e se mantém como referência até hoje.
Entre suas obras mais emblemáticas estão:
- Novelas Nada Exemplares (1959)
- O Vampiro de Curitiba (1965)
- A Guerra Conjugal (1969)
- Ah, É? (1994)
- O Beijo na Nuca (2014)
Além de mais de 700 contos reunidos em 36 livros, muitos dos quais foram constantemente revisados e reescritos ao longo dos anos.
Prêmios e reconhecimentos
Trevisan recebeu os principais prêmios da literatura em língua portuguesa, como:
- Prêmio Jabuti (quatro vezes)
- Prêmio Camões (2012)
- Prêmio Machado de Assis, da ABL
- Prêmio APCA
- Prêmio Portugal Telecom
O Vampiro recluso

Apesar da fama, Dalton Trevisan viveu no mais completo anonimato. Recusava entrevistas, prêmios presenciais e fotografias. Desde os anos 1970, não era visto em eventos públicos. Preferia assinar apenas “D. Trevis” e criou ao redor de si a figura mítica do “Vampiro de Curitiba” — uma lenda viva da literatura brasileira.
Legado em reconstrução
Após sua morte, parte do mistério se desfez. Em 2024, o autor doou seu arquivo pessoal ao Instituto Moreira Salles, revelando manuscritos, correspondências, diários e até recortes sobre crimes e séries de TV, como Star Trek. Um mergulho raro no universo de um autor que sempre preferiu que falasse a obra — e não o homem.

Homenagens aos 100 anos
O centenário está sendo marcado por diversas ações no país:
- Relançamentos da obra completa pela Editora Todavia
- Exposição “Espião de Almas”, na USP (até agosto)
- Peça de Teatro, Daqui Ninguém Sai, produção realizada pelo Teatro de Comédia do Paraná
- Mostras especiais em Curitiba com mais de 15 atividades gratuitas
- Exibição de curtas e novos documentários no YouTube do IMS
- Exposição coletiva “Dalton em Traços e Linhas”, com 38 artistas visuais homenageando o autor
Presença permanente
Dalton Trevisan reinventou a forma do conto brasileiro, deu rosto à Curitiba em suas múltiplas contradições e eternizou, com uma prosa dura e poética, a complexidade das relações humanas.
Hoje, 100 anos após seu nascimento, o Vampiro de Curitiba segue vivo — não nas ruas, mas nas páginas que continuam a assombrar, emocionar e iluminar leitores por todo o país.