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Teatro

O tempo e a Sala dialogam com o mesmo público de sempre do Festival de Curitiba

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Por Igor Horbach

O Festival de Curitiba tem o costume de trazer peças autênticas e que fogem do comum, principalmente por ser o período do ano em que o consumo de teatro na cidade e região é mais alta. Além das peças já consagradas pelo público ao redor do país, o Festival também opta por estreias nacionais, como é o caso da montagem O Tempo e a Sala da Colombo Produções, do Rio de Janeiro. Contudo, por ser um texto do alemão Botho Strauss, conhecido mundialmente por textos absurdos e pós-dramáticos, a peça dividiu opiniões do público.

Em cerca de uma hora e meia somos absorvidos pela astúcia dos personagens profundos e melodramáticos, típicos do teatro desde o rompimento com a estética Stanislavski. Somos levados a um apartamento no centro de uma cidade onde vivem JUlius (Rodrigo Ferrarini) e Olaf (Daniel Warren). Dois homens que, como guardiões do tempo observam a cidade e, a partir de suas memórias, atraem para dentro do ambiente a personagem Marie Steuber (Simone Spoladore), cujas memórias e dramas pessoais tomam conta do lugar, fazendo parte da realidade e/ou dos devaneios dos anfitriões, como conta a sinopse da peça. 

E isso de fato ocorre durante a apresentação. Os anseios dos personagens são legítimos, naturais e vivos. Isso porque questionam e se sobressaltam sobre questões particulares, mas que permeiam a vida de qualquer ser humano comum, em seu dia a dia. A dúvida entre ir embora ou ficar, sabendo das dificuldades de ambas escolhas, as situações trágicas que nos aflige e que acontecem em nossas vidas. 

É nesses momentos do diálogo ou monólogos dos personagens – já que o tempo em cena é muito bem dividido – que a atuação do elenco é posta em fogo. Embora sejam consagrados e extremamente potentes, o texto os segurou em alguns pontos onde o corpo seria um excelente complemento dramático potencializado da essência das personagens que tornaram a compreensão da dramaturgia complexa mais rica e transparente. Como um pesquisador do corpo em cena, a montagem atual resolve deixar de lado a presença absurda – no sentido teatral – que os corpos possuem. A preocupação com a entrega dramática e de texto em cena, mas não da presença daqueles corpos “estranhos” (novamente, no sentido teatral). 

O texto de Strauss é denso, complexo e para um público pobre em referências, sem pé e nem cabeça. Mas para aqueles que já consomem Teatro há muito tempo, é um prato cheio de reflexões profundas necessárias para os dias atuais. É sobre a dualidade da vida, a fraqueza humana e a compaixão. Ao mesmo tempo, o texto é claro quando delimita o público que pode consumi-lo. Novamente o Festival enaltece dramaturgias que a classe artística admira, mas que não chega aos pés da classe periférica que sequer compreende o que é uma dramaturgia alemã. 

Já enquanto cenário, é inteligente em possibilitar interação com o elenco. É bem explorado e todo o espaço da cena se faz presente o tempo todo, como se tanto ator e atriz quanto texto nos lembrasse da existência de cada canto. Isso torna a montagem autêntica no detalhe de presença cênica, pois – literalmente – cada canto do palco é explorado e usado pelos artistas. 

A iluminação é de longe linda, exuberante e até hipnotizando quando harmônica com as coreografias cênicas dos corpos em cena. Traz a suavidade ou o peso necessário para cada momento do texto. Porém, a montagem se esquece de uma trilha sonora com potencial de aumentar o drama absurdo o qual o jogo cênico se propõe. Em alguns momentos específicos podemos ver a trilha tentando brilhar, mas logo já é interrompida pelo silêncio e peso do texto. 

A direção se preocupa em trazer a melhor verossimilhança do texto, torná-lo natural, dramático e não algo pouco profundo e raso como acontece muito em montagens absurdas e pós-dramáticas. A proposta é admirável, embora, como já dito, a presença corporal não é rica enquanto corpo, mas enquanto mediador. Ela é transposta para a relação cena-persomagem-cenario, o que é autêntica, porém um pouco – só um pouco – prejudicial para um texto construído a base de emoções humanas carregadas em corpos humanos. 

O elenco é brilhante em suas composições melodramáticas e entregas  em cena, bem como transmutam entre as verdades que sobressaem do texto de cada personagem e aquelas que são da coletividade  cênica. É exuberante, diferente, uma atuação singular quando visto aos olhos do texto, mas nada novo ao público clássico do teatro. 

De maneira geral, é uma peça boa, em um período que nos carece teatro, visto que o setor cultural ainda sofre das pernas cortadas pelo governo anterior. Vale a pena ser visto, mas apenas por aqueles que sabem diferenciar um teatro drama de um teatro absurdo. Não é uma peça para todos, é uma peça recortada. Não traz acessibilidade social para que todas as “classes” assistam e compreendam, traz discussão para  os meios acadêmicos e técnicos que vão compreender as profundidades do texto. 

O tempo e a sala no Festival de Curitiba é uma montagem de Colombo Produções, Texto de Botho Strauss, tradução de Fernanda Boechat. Direção de Leandro Daniel. Direção de Produção de Colombo Produções e Banalíssima Arte. Dramaturgista de Flavio Stein. Elenco de Simone Spoladore, Rodrigo Ferrarini, Jandir Ferrari, Daniel Warren, Ranieri Gonzalez, Adriana Seifer, Leandro Daniel, Maureen Miranda e Bia Arantes. Idealização de Leandro Daniel. Psicanalise e Desenvolvimento Humano: Fabi Broto. Iluminação: Adriana Ortiz. Cenário de Fernando Marés. Figurinos e adereços de Ana Avelar e trilha sonora de Edith de Camargo.

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