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São Paulo

Toda carta um convite, toda peça uma resposta

O espetáculo Cartas a um jovem escritor, que põe em cena a correspondência entre Mário de Andrade e Fernando Sabino

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em

Foto: Ronaldo Gutierrez

Por gabriel m. barros

​Como dar forma para cartas enviadas entre duas pessoas na década de 1940? É a isso que a dramaturgia e direção de Paulo Williams tenta dar conta, e consegue com grande maestria, com o espetáculo Cartas a um jovem escritor, que põe em cena a correspondência entre Mário de Andrade, vivido por Rodrigo Mercadante, e Fernando Sabino, vivido por Caio Horowicz. 

​As cartas vão sendo acionadas não como uma troca distante entre uma e outra, mas vão se entrelaçando, emaranhando, despedaçando mesmo, até que pareça uma conversa. O que inicialmente aparenta ser dois mundos distintos, e era, seja pela distância geográfica (um paulista, outro mineiro), seja pela faixa etária, vai paulatinamente dando espaço para a intimidade, confiança e uma beleza comovente.

​O que corrobora com essa intimidade que se vai envolvendo é, em primeiro lugar, o cenário, feito por Kleber Montanheiro, que é de um regalo enorme, contando com as projeções de Jodele Lacher e a iluminação de Lica Barros. É sensação de uma sala ampla, quase um convite ao público que fique à vontade.

​O segundo ponto da construção dessa intimidade é a terceira personagem dessa história, que é o carteiro, interpretado por Fábio Neppo. De alguém que chega do público, chamando os personagens para a entrega de suas correspondências, se torna um elo central entre os dois, e acionando uma aura mágica a tudo o que se vai construindo durante o espetáculo.

​As atuações são duma boniteza de encher os olhos e o imaginário. Dessas construções que leva quem assiste, e aqui é interessante observar os sons que a plateia solta em determinadas cenas, a quase se movimentar junto com a peça. Destaque para duas cenas: A leitura do conto que Mário deu vida, chamado Frederico Paciência, na mistura de leituras do carteiro com Fernando Sabino, e a reação de Andrade ao ser chamado para padrinho de casamento de Sabino. 

​ Enfim, muito poderia ser escrito ainda sobre este espetáculo que inquieta pelo diálogo profundo com o nosso tempo polarizado (as semelhanças contextuais chegam a ser assombrosas); que encanta pela amizade sólida, profunda e sincera tecida ao longo dos anos e exposta ali pelo virtuosismo das atuações; seja pela trilha sonora certeira de Wagner Tiso, que tem uma precisão imensa de quando colocar a música a serviço da cena; seja, talvez pela ideia que me agarrou e creio que aos demais espectadores: a importância da ação para inclusive sobrepor a esperança.

Podendo ser muita coisa, a peça se mostra uma resposta aos vários convites que essas cartas, que completam mais de 80 anos que foram trocadas, fazem a nós ainda hoje.

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