Todas as Coisas Maravilhosas, uma obra pra ver e rever

por Leonardo Talarico Marins

A melhor definição histórica sobre o ser humano é que “o homem é aquele que esquece”. Esquece os sustentáculos e valores fundamentais. E o artista é uma das “ninfas” que relembra à sociedade as estruturas existenciais. “Todas as Coisas Maravilhosas” cumpre tal função com louvor e articula, sob o olhar de uma criança em difícil crescimento dramático, as dores extremas do sofrimento na tarefa de compreender o mundo e auxiliar sua mãe depressiva e suicida por meio de “Todas as Coisas Maravilhosas”, deixadas a vista da genitora (apresentadas em lista).

Na excelente encenação de Fernando Philbert, não se quebra a quarta parede, pois não há sequer a famigerada quarta parede. Kiko Mascarenhas antecede a apresentação explicando qual será a participação da plateia na sessão. E não é pouca.

Como não lembrar Domingos de Oliveira? Iniciada a obra, tudo se apresenta correto. A atuação de Mascarenhas é brilhante, seja na articulação da linguagem lírica e épica, quanto na direção de movimento que bem ocupa espaços físicos e afetivos, na relação improvisada com o público, na horizontalidade, dinamismo e posicionamento da dor em um lugar nobre, sem caminhar por estradas comuns da autocomiseração. Tudo em auxílio da montagem está no seu devido lugar e, por decorrente, opera em favor da passagem cênica.

A informalidade do figurino, a mão leve do desenho de luz, sem intensificar o drama já posto em cena, o adereço de profundo valor simbólico, assim como a trilha sonora que ressalta a dor e resgata o público.

Obra (e tradução) poética, esclarecedora, simbólica, triste-feliz integrativa. Como assevera Amir Haddad, “só o Teatro Salva”. E Kiko Mascarenhas e seus operadores teatrais assim o fazem, e lidam com os dramas humanos com seriedade, humanismo, esclarecimento, beleza, nostalgia, inocência e alegria necessárias à compreensão e amparo. Uma encenação para somar respeito aos que sofrem transtornos ainda pouco explorados pela ciência e muito desprezados pela sociedade.
Obra para ver e rever ao lado de todas as pessoas importantes da sua vida.