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Os Filhos da anistia da Ditadura Militar

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Por Igor Horbach

Antes de iniciarmos o texto de fato, é importante que você, leitor, entenda que por mais que o Jornal A Cena seja um veículo dedicado exclusivamente ao fomento das artes no país e não se volta diretamente para a política, nosso trabalho está intrinsecamente ligado à política, uma vez que a arte é uma ação política. É inegável que a arte possui esse papel em qualquer que seja a estrutura social da sociedade o qual ela questiona e critica. 

Essa é a primeira parte de dois textos o qual me debruço para falar sobre os atentos terroristas em Brasília no último dia 08 de janeiro. Hoje, publico esse texto com o objetivo de criar uma base de pensamento reflexivo tendo como principio pensadores contemporâneos. Amanhã, a segunda parte deste texto será publicada aqui no Jornal. Todas as referências usadas em ambos os trabalhos estão disponíveis no final da matéria.

 

O BRASIL DE 69

Para que possamos compreender os últimos acontecimentos no Brasil, assim como os atos golpistas após as eleições – o maior ato democrático de uma República (eleições) – e até mesmo a ascensão de Jair Bolsonaro (PL) ao poder em 2018 é primordial que retornemos ao Brasil do século passado, mas que não está tão distante assim.  

Iniciada em 1964, a ditadura militar é considerada por centenas de historiadores ao redor do mundo como uma das mais brutais. Infelizmente, para se ter ideia de tamanha destruição, não existem dados 100% corretos sobre o número de desaparecidos e mortos. O levantamento é mínimo e de lá para cá o governo negligenciou o arquivamento desses casos para que eles jamais fossem vistos e revistos. Segundo o relatório da Comissão Nacional da Verdade cerca de 434 pessoas foram mortas e desaparecidas, mas é óbvio que o número foi muito maior. Essas vítimas talvez sejam apenas do último ano do período. 

A gravidade e severidade da ditadura foi tamanha que de 1969 a 1978 o Código Penal Brasileiro previa e permitia pelo menos em 15 artigos a pena de morte. Ou seja, o valor humano é anulado e o que se tem é apenas uma demanda de assassinato. Militares, a Força Nacional é autorizada a assassinar, a derramar sangue. Tivemos sim um movimento importantissimo que foi o fim desse período de massacre e tortura no país, mas repetimos o mesmo erro grave de quando abolimos a escravidão: anistia. 

Diante de tamanhos crimes hediondos contra as pessoas não era admissível que houvesse anistia, perdão. Torturadores como Ustra, Emílio Garrastazu Médici e Alfredo Stroessner – fortemente elogiados por Bolsonaro – precisavam ser punidos e pagar por seus crimes contra a humanidade. Conceder o perdão a eles foi conceder um filho à patria amada com potencial perigo ideológico que coloca em risco não só uma democracia republicana, mas a de um mundo reconstruído na base de um sofrimento pós-guerra que não deseja retornar aquele martire. É como se a Alemanha quisesse voltar a ser repudiada internacionalmente ou que o Japão desejasse ser atacado pelos EUA mais uma vez. 

Agora, portanto, em 2018, apenas 33 anos depois do fim da ditadura militar do Brasil, conhecemos de fato os filhos da anistia.

 

O MOVIMENTO REACIONÁRIO 

O movimento que se fortaleceu após o golpe de 2015 quando a presidenta Dilma foi destituída do cargo injustamente ganhou proporções inimagináveis e que até pouco tempo não se tinha um nome propriamente dito. Agora, os estudiosos chamam de Bolsonarismo. Embora carregue o sobrenome do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, não é exclusivamente dele a que se refere, mas por ele (Jair) ter sido a principal imagem de fortalecimento. 

Contudo, tal movimento reacionário não é de agora e muito menos exclusivo do Brasil. Trata-se de uma Guerra Cultural que sempre esteve presente na história humana, como lista o professor Guilherme Terreri no papel da Drag Queen Rita Von Hunty em seu canal no youtube ‘Tempero Drag’. A exemplo, no século 19 durante o processo de unificação da Alemanha. Mas o que é essa guerra cultural? 

Quando falamos de gênero, sexualidade, religião etc, ou seja, pilares sociais que constitui cada micro comunidade e cada ser, estamos falando de embates culturais. E ela traz consigo a ideia de atacar o outro, deslegitimar e apagar. Ou seja, se você propaga que o outro é um lixo, é do demônio, é abominável etc, você transforma esse outro em absolutamente nada, ficando mais fácil destruí-lo. 

E todo esse movimento tem como ideológico no cerne disso tudo, Olavo de Carvalho, que não é filósofo muito menos pensador. É apenas uma pessoa que sentou e decidiu escrever sobre o que concordava ou não. Em suas publicações, para se ter noção, Olavo várias vezes deixa explícito seu desconhecimento sobre o assunto o qual ele trata. Chamamos isso de Retórica do Ódio. 

Ou seja, Olavo provoca 3 fenômenos na população, sendo o primeiro deles conhecido como analfabetismo ideológico que é justamente esse ódio perigoso que os de extrema-direita possuem de todos aqueles que não estão consigo. Por isso, você (leitor) não consegue mais conversar com sua irmã, com seus tios e por aí vai. É o efeito claro da birra de infância que existe na classe branca dominante. “Se você não está com nós, é contra nós”. 

O segundo fenômeno é a Idiotia Erudita, onde Olavo começa a dizer que leu em um jornal feito por ciclano que ficou sabendo por beltrano que isso e aquilo corresponde a aquilo outro. É bem isso que você percebeu. Não diz nada com nada, mas ao mesmo tempo diz muito. É através desse momento de citar pessoas e conceitos de forma aleatória que se constrói uma ideia filosófica do assunto que para aqueles que se limitam a telegram e whatsapp vão facilmente acreditar. 

O terceiro e último fenômeno da Retórica do Ódio disseminada por Olavo de Carvalho é a Lógica da Refutação. Quantas vezes você tentou argumentar com um bolsonarista sobre as rachadinhas do filho do Bolsonaro, ou sobre o esquema de corrupção no MEC e por aí vaí e a única resposta era: E o Lula? Essa é a lógica da refutação. É a construção do ‘bater o pé’ e desacreditar tudo que está sendo dito pelo outro.

Outro pilar que ganhou força com a propagação das fake news desde a eleição do fascista Bolsonaro é a Hipérbole Descaracterizadora. Lembra que “do nada” vimos um aglomerado de pessoas dizendo que a NASA mentiu esse tempo todo com imagens da Terra como um globo, sendo que na verdade ela é plana? Então, é exatamente isso. Teorias da conspiração que fala, grita e joga aos quatro ventos imundices como se fossem fatos. Tente jogar grãos nas galinhas e veja a reação delas. É a mesma coisa quando jogamos informações como essa nas redes sociais de bolsonaristas. 

 

O BOLSONARISMO NÃO FOI DERROTADO

Afinal de contas, porque eu estou escrevendo tudo isso e usando esses termos? 

Quando deixamos de prender Bolsonaro por ter enaltecido Ustra em 2015 na votação do golpe e de responsabilizado, de alguma forma, em 2022 quando cumprimenta e elogia torturadores da ditadura, ou quando deixamos que ele não seja penalizado por ter deixado faltar materiais básicos no período de maior pico da pandemia, por não ter investigado sobre os 51 imóveis comprados com dinheiro vivo etc, foi o grito de que o ódio, a negligência e o poder dos opressores se prevalecem diante daqueles que nada tem. 

Pode parecer confuso, mas é mais claro do que água. Vejamos os ataques terroristas do dia 08. É a simples tratativa de que não importa quem esteja no poder, quem manda é a boiada. Esse movimento de ódio é financiado por quem manda, pelo patrão e não pelo trabalhador. 

Quando assistimos a ascensão da classe trabalhadora ao poder em 2003 que tirou do patrão para dar ao empregado, despertamos o ódio daqueles que mandam ainda hoje. Para que isso fosse evitado novamente em 2018 foi preciso prender a maior representação da classe, não importasse com qual prerrogativa e instaurar o caos dentro da própria classe. 

E por isso vemos pessoas com celtinha chevrolet 2006 com adesivos do Bolsonaro. Não porque ele é contra sua própria classe, mas porque ele esta sendo inflado o tempo todo a acreditar que o verdadeiro vilão é o comunismo. Não é atoa que existem fake news sobre mamadeira de piroca, kit gay e falas que a esquerda vai roubar o carro de todo mundo. É a forma que os patrões encontram de continuar insuflados nas costas de quem pasta. É o chicote no coro do cavalo. 

E essas ações são chamadas de Manobras Ideológicas. Se não podemos oprimir os oprimidos mais uma vez, precisamos instaurar o caos do medo dentro deles para que enquanto tentam sobreviver entre si, acumulamos fortunas. Essa seita bolsonarista é fruto desses movimentos o qual elenquei até o momento. 

A prova disso é um vídeo na internet onde um terrorista grita a plenos pulmões que “não é mais sobre o Bolsonaro”. O podcast “Café da Manhã” do jornal Folha de São Paulo do dia 09 de janeiro entrevistou a jornalista Camila Mattoso que acompanhou de perto o atentado terrorista do dia anterior e cita que “eles não reivindicam nada. Uns pediam o impeachment do Arthur Lira (presidente da Câmara), outros do Rodrigo Pacheco (presidente do Senado) e outros diziam até mesmo que só sairiam de lá (do Planalto) com o Lula preso”. 

Claramente percebemos que a posse de Lula no dia 01 de janeiro foi como jogar SBP nas baratas. Agora correm de um lado para o outro, desesperadas, sem saber para onde ir e o que fazer, ainda mais vendo que o “Messias enviado por Deus” fugiu para Orlando. 

 

Vamos continuar nos aprofundando sobre a seita bolsonarista no Brasil e os perigos que ela apresenta para a sociedade brasileira e mundial no próximo texto.

 

REFERENCIAS: 

VÍDEO: “A Democracia é uma luta constante” – Canal Tempero Drag (https://www.youtube.com/watch?v=cK8GmfqY9ek&t=1242s )

VÍDEO: “Guerra Cultural e a retórica do ódio” – Canal Tempero Drag (https://www.youtube.com/watch?v=C1pxtNjLPVI )

VÍDEO: “Dissonância cognitiva e verdade factual” – Canal Tempero Drag (https://www.youtube.com/watch?v=fltNdcFsYcM )

ARTIGO: “A miséria, a economia e a fé” – Rita Von Hunty (https://www.cartacapital.com.br/opiniao/a-miseria-a-economia-e-a-fe/ )

ARTIGO: “Bem vindo ao estado suicidário – Vladimir Safatle (https://arlindenor.com/2020/03/27/bem-vindo-ao-estado-suicidario-vladimir-safatle/ )

ARTIGO: “Por trás do engodo do Brasil quebrado” – Paulo Kliass (https://outraspalavras.net/mercadovsdemocracia/por-tras-do-engodo-de-brasil-quebrado/ )

PODCAST: Café da manhã – Episódio “A destruição bolsonarista em ataque aos três poderes” – Folha de São Paulo. (https://open.spotify.com/episode/4z3pvSZHcb2D45s1wdyPsi?si=uFSwxn_lTpCNWXUjCm7OGA&utm_source=whatsapp )

É autor, ator, dramaturgo e produtor brasileiro. Nascido em Tangará da Serra – MT, publicou seu primeiro livro aos 14 anos e o segundo aos 16. Em 2017 se mudou para Curitiba onde iniciou sua carreira de ator, produtor e dramaturgo. Em 2019, produziu e dirigiu a serie Dislike. Em 2020 publicou seu drama de estreia, Cartas para Jack. Em 2021 lançou a série de contos intitulada Projeto Insônia.

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