Opinião
Djavan – O Musical surpreende pela potência cênica e musical
Por Vanessa Ricardo
Totalmente surpreendida, é assim que defino minha experiência com o espetáculo Djavan – O Musical: Vidas pra Contar.
Digo isso porque quem acompanha minhas escritas por aqui sabe: embora eu ame o teatro e assista a centenas de peças todos os anos, o musical nunca foi uma das minhas linguagens preferidas. Principalmente quando a proposta se aproxima do modelo da Broadway.
E explico o motivo: acredito profundamente na potência do teatro brasileiro, e ninguém faz teatro como nós.Há algo de único em nosso modo de criar, nas nossas narrativas e corpos em cena. Muito disso se deve à nossa própria identidade cultural, pois somos um país continental, diverso e infinitamente plural.
Mesmo a imprensa especializada afirmando que não se trata de um musical, pois não utiliza a canção como dramaturgia, pra mim essa maneira de contar uma história funciona muito bem. E é um formato que tem se replicado no Brasil e que tem funcionado e ajudando na formação de plateia.
Não a toa, a produtora do musical, a Turbilhão de Ideias, vem se dedicando desde 2008, ao fazer esse tipo de espetáculo, e já trouxe grandes sucessos, não posso deixar de citar o Cássia Eller O Musical, que ficou em circulação por 10 anos, passando por todas as capitais do Brasil, e que trazia no elenco interpretando Cássia Eller, a Tacy, cantora e compositora, que viveu por muitos anos em Curitiba, e que inclusive faz parte da equipe de críticos do Jornal A Cena no Rio de Janeiro.
O musical que conta a trajetória de um dos maiores nomes da música brasileira, e tem como recorte os 40 anos de história dedicados à música. Nascido em Alagoas, as primeiras cenas mostram sua paixão pelo futebol. Mas sua mãe Dona Virgínia, afirma que ele não nasceu pra jogar bola e sim para cantar, confirmado por Deus e pelos Orixás.
O público acompanha de perto os impasses e as dificuldades enfrentadas por Djavan no início da carreira, quando muitas portas se fecharam antes que as primeiras oportunidades finalmente se abrissem.
Falando em portas, é impossível não destacar o cenário, grandioso e simples ao mesmo tempo. André Cortez criou um grande painel com seis aberturas, que funcionam como imensas janelas e portas capazes de contar a história junto com os atores. Mais do que simples passagens, elas se transformam em capas de discos que marcaram a trajetória de Djavan, em estúdios de gravação, em sua casa e até em portal simbólicos para outro plano.
O espetáculo também revisita o encontro de Djavan com o maestro paranaense Walter Branco, figura essencial que o incentivou a seguir fiel ao seu modo singular de fazer música.
Raphael Elias, que interpreta Djavan em diferentes fases da vida, é um verdadeiro presente em cena. Sua atuação contida, mas intensa, traduz com precisão a essência e a serenidade do artista. A semelhança vocal impressiona e, em diversos momentos, é possível ver Djavan ali, diante do público.
O elenco reúne nomes que merecem destaque. Marcela Rodrigues emociona como Dona Virgínia, mãe de Djavan. Aline Deluna incorpora a força e o carisma de Maria Bethânia; Erika Afonso dá vida à marcante Alcione; Walerie Gondim encanta como Gal Costa; Tom Karabachian diverte e surpreende como Caetano Veloso; e Gab Lara traz um Chico Buarque de presença cênica e canto surpreendentemente semelhante ao original.
Outro grande destaque do espetáculo é a atuação de Milton Filho, que assume o papel de narrador da trajetória. Como um fio condutor entre memórias e história, ele incorpora a ancestralidade e a força simbólica de Exú, senhor das encruzilhadas, representando o pensamento e a energia que orientam os caminhos do artista.
Outro ponto essencial do espetáculo é a forma como ele evidencia que, mesmo sendo um artista consagrado, Djavan não está imune ao racismo. A peça revela, com sensibilidade e contundência, as barreiras impostas por uma sociedade que ainda hoje em um país onde a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado, e que insiste em negar igualdade. O racismo estrutural se impõe, mas a arte transforma dor em resistência.
Com texto de Patrícia Andrade e Rodrigo França e direção artística de João Fonseca, o espetáculo com mais de duas horas de duração faz jus à grandiosa carreira de Djavan, um dos maiores nomes da música brasileira. Mesmo com um recorte extenso, pois traz para a cena os 40 anos de carreira, a montagem consegue captar a essência e a força da trajetória do artista.

