Opinião
“Daqui Ninguém Sai” – Uma Homenagem Irreverente a Dalton Trevisan
Cheio de humor ácido e reflexões cortantes, o espetáculo prova que a obra de Trevisan segue atual.

Foto: Annelize Tozetto
por Vanessa R Ricardo
O Teatro de Comédia do Paraná, tradicional grupo curitibano fundado nos anos 60 sob a batuta do Centro Cultural Teatro Guaíra, retorna aos palcos após um hiato pandêmico. Com direção da experiente Nena Inoue, o projeto propõe uma imersão na obra do icônico contista Dalton Trevisan (cujo centenário será celebrad2025), falecido no final de 2024.
Confesso que cheguei ao teatro sem grandes expectativas, apesar do elenco talentoso e da parceria criativa entre Nena Inoue com o dramaturgo potiguar Henrique Fontes. O processo não foi simples: o texto passou por 27 versões antes de ser completamente reinventado. O resultado? Um espetáculo que abraça o metateatro como linguagem, onde os atores em cena assumem o papel de uma trupe que ensaia e experimenta os contos e personagens de Trevisan.
As referências ao teatro contemporâneo surgem em meio a piadas ácidas e jogos cênicos — como se estivéssemos numa sala de ensaios, testemunhando a criação ao vivo.
É um prazer absoluto acompanhar esse elenco, que reúne nomes novos e também já conhecidos como Carol Mascarenhas, Fábyo Rolywer, Laís Cristina, Madu Forti, Paula Roque, Paulo Chierentini, Sidy Correa, Simone Spoladore, Trava da Fronteira, Val Salles, Wenry Bueno e Zeca Sales. Gerações distintas em perfeita sintonia, cada um com sua potência singular, mas todos impecáveis na entrega. Juntos, resgatam as histórias de um autor que desnudou a Curitiba real — melancólica, cruel e, muitas vezes, tragicômica.
A homenagem, porém, não se limita a Trevisan. O espetáculo reverencia também o teatro paranaense, citando referências como Lala Schneider e Claudete Pereira Jorge. Além de também citarem diversas vezes o diretor Ademar Guerra, o responsável por realizar as duas primeiras montagens da obra de Dalton Trevisan, “Os Mistérios de Curitiba”, em 1990 e “O Vampiro e Polaquinha”, em 1992.
Entre as curiosidades do espetáculo, o nome da peça foi escolhido pelo próprio Dalton. E eu, como uma fã do cinema, e da obra de Luis Buñuel, associei o nome ao filme “O Discreto Charme da Burguesia”, em que os personagens estão eternamente presos a um jantar e não conseguem ir embora. Aqui, os atores também parecem aprisionados no universo trevisaniano — e o público junto com eles, em um ciclo deliciosamente absurdo.
Daqui Ninguém Sai, foi dividido em 10 Movimentos e um epílogo, um conto em forma de espetáculo, respeitando o desejo de Dalton Trevisan, que era contra a morte do autor, ou seja, não permitia que seus textos fossem alterados, nas adaptações feitas para teatro.
Cheio de humor ácido e reflexões cortantes, o espetáculo prova que a obra de Trevisan segue atual. Saí do teatro com vontade de assistir TUDO DE NOVO — e, quem sabe, captar novas camadas dessa montagem inteligente, ousada e afiada. Uma celebração digna ao mestre do conto e da ironia mortal.