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Opinião

Banhar o Brasil em bando ao vivo (e dentro da cabeça de alguém)

Em cena, está um grupo dinâmico e talentoso de atrizes e atores que nos conduzem em meio a um metateatro onde o texto de Tchekhov tenta ser encenado.

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Foto: Karim Kahn

por Carlos Canarin

A Cia Brasileira, que já é bem conhecida do público curitibano e também está presente no circuito nacional, tendo inclusive sede e fundação na capital paranaense, trouxe ao Festival de Curitiba seu mais novo espetáculo, “Ao vivo [dentro da cabeça de alguém]”. A nova produção do grupo dá continuidade à pesquisa estética e dramatúrgica capitaneadas pelo diretor Márcio Abreu, que volta-se ao texto clássico “A gaivota” do russo Anton Tchekhov (1860-1904) para elaborar e retomar o ser artista em meio a um tempo de incertezas e contradições, que de alguma forma aproxima um Brasil contemporâneo de uma Rússia sangrenta e em revolução.

 

Em cena, está um grupo dinâmico e talentoso de atrizes e atores que nos conduzem em meio a um metateatro onde o texto de Tchekhov tenta ser encenado. Encontramos Rodrigo Bolzan, Rafael Bacelar, Bárbara Araki, Bianca Manicongo e Renata Sorrah numa sintonia gostosa de assistir, onde cada um e uma consegue complementar-se e dinamizar a criação das cenas, que também possibilitam a todo elenco um momento individual de jogo direto com o público a partir de solilóquios. A vida biográfica, digo, a existência de cada pessoa ali também está misturada com a peça em si, criando um jogo de ficção e não-ficção que nasce misturada, embaralhada, bagunçada – assim como a vida e ser artista.

 

Essas existências singulares adicionam à essa dramaturgia-colagem-revisitação uma camada de atualização do texto clássico do teatro ocidental e seu realismo psicológico, que ajudou a inaugurar uma forma que já se tornou um tanto engessada de fazer teatro e cinema. Aqui são as fendas que o encontro desse grupo com o texto geram que de fato interessa, desviando o foco para as trajetórias individuais que se montam neste coletivo. 

 

De forma espiralar, passado e presente (e futuro) se encontram. A atualidade é exposta pelo discurso, que evidencia a possibilidade de ainda esperançar dias melhores depois de tempos onde a necropolítica do Estado brasileiro foi cada vez mais escancarado – e também pelos corpos atuantes, de diferentes vivências e origens, ajuntados num mesmo espaço cênico, jogando de igual para igual. É um retrato dos avanços que, mesmo a trancos e barrancos, conseguimos perceber nas artes da cena – mesmo que, em minha opinião, de forma muito tímida.

 

Aproveito para destacar alguns momentos: os momentos onde a belíssima voz de Bianca Manicongo é compartilhada conosco, bem incorporada ao andamento do espetáculo; a performance de Rafael Bacelar como drag queen junto ao público; o texto, anteriormente chamado de “projeto b”, que acontece já perto do fim do espetáculo e é uma ode a tudo aquilo de maravilhoso feito aqui, resistido aqui, celebrado aqui; e também os momentos onde a iluminação assinada por Nadja Naira joga com o desenho de cena e também junto ao elenco. 

 

E ah, que presente foi assistir este espetáculo justo hoje, num 27 de março, dia mundial do teatro, assim como ressalta Sorrah após os aplausos.

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