Música
Atalhos traz indie melancólico, devaneios e existencialismo francês a Curitiba
Segundo eles, as referências deste disco estão ancoradas na literatura feminista de Simone de Beauvoir

Por Maria Eduarda Schwab
No próximo dia 17, a banda Atalhos desembarca em Curitiba para apresentar seu novo álbum, A Força das Coisas, no Camaleão Cultural. Em meio à moda do indie e da repetição de fórmulas radiofônicas enlatadas, a Atalhos segue a própria trilha dizendo que acredita muito mais nas ideias do que nos refrões.
Na estrada há mais de uma década, o grupo do interior de São Paulo, formado por Gabriel Soares e Conrado Passarelli, ganhou o mundo quando assinou com um selo europeu e continua apostando em letras densas. Em seu novo álbum, A Força das Coisas, essa estética se acentua: é melancolia com propósito, dizem eles. É contemplação como gesto político. Hoje, acompanhados por Nico Paoliello (ex-Garotas Suecas) e Fabiano Boldo (baixista de Rafael Castro e os Monumentais), o grupo cria melodias que preferem o devaneio à catarse, e arranjos que mais sugerem do que gritam.
Com o lançamento deste terceiro trabalho de estúdio, a Atalhos dá início a uma turnê ambiciosa, que cruza continentes. Na agenda, Estados Unidos, Uruguai, Argentina, Chile, Reino Unido, França, Dinamarca e Alemanha estão na rota. Segundo o frontman do grupo, Gabriel Soares, cantar em espanhol ajudou a abrir portas fora do Brasil. “Acabamos tocando mais lá fora do que aqui”, explica. Mas, agora, o plano é focar no Brasil – por aqui, uma das primeiras cidades a receber a banda é Curitiba. A escolha veio por ser uma cidade com uma cena musical intensa e com um público crítico. Um belo desafio, portanto.
Mas o que eles querem dizer com esse novo trabalho? Em conversa com A Cena, o vocalista revisitou a trajetória da banda. “Na época do primeiro disco, tudo era muito novo para a gente. Eu disse numa entrevista para a Rolling Stone que foi um trauma, mas acho que exagerei (risos). Agora quis assumir 100% da produção, pois achei que estava finalmente pronto para encarar esse desafio. Estou muito feliz com o resultado, conseguimos manter a nossa identidade e, ao mesmo tempo, explorar sons e texturas mais nostálgicas que remetem às nossas influências dos anos 90 e experimentar timbres e arranjos que apontam para o futuro”, diz.
Segundo eles, as referências deste disco estão ancoradas na literatura feminista de Simone de Beauvoir. E a banda já tem na ponta da língua argumentos para defender essa escolha, especialmente diante de questionamentos sobre “lugar de fala” e apropriações.
“Não entendo as homenagens literárias que fazemos na nossa música como apropriação, muito pelo contrário, enxergo como uma forma de agradecimento, e uso as minhas músicas para compartilhar esse entusiasmo que essas leituras causam. Sempre fomos influenciados pelo existencialismo francês”, afirma Gabriel.
“A Força das Coisas”, faixa que batiza o álbum, traz uma sonoridade marcada por guitarras com timbres limpos e reverberados, que criam uma paisagem volátil e nebulosa. Enquanto a letra verbaliza “vou embora quando você quiser”, o ritmo segue moderado, gostosinho, o que contribui para um clima contemplativo e melancólico.
A faixa lembra trabalhos de bandas como Wilco (especialmente a fase mais experimental e atmosférica) e The National (pela voz grave e introspectiva por seus arranjos contidos).
É o tipo de música que chama atenção pelas letras carregadas de referências, que tentamos encontrar justificativas dando Google em cada frase, e pela sonoridade quase misteriosa que acompanha o discurso.
E assim segue a Atalhos, nessa trilha que se equilibra entre o indie de boutique e o folk etéreo, entre as referências literárias e versos confessionais. No palco, será que virão explosões de energia? Ou o público será convidado a um transe morno, onde a empolgação dá lugar à contemplação — ou ao devaneio distraído…como a música “Delírios en Paraguay”. A resposta, talvez, esteja nos amplificadores. Ou em algum trecho escondido citando Simone de Beauvoir.