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Opinião

Espetáculo “Solo da Cana” é feito artístico imprescindível à “movimentação humana”

Publicado

em

por Leonardo Talarico

A melhor definição de ser humano é “aquele que esquece”. E o artista, como “ninfa”, opera nesse resgate dos valores estruturais e biográficos. Izabel de Barros Stewart realiza nobre função. E o faz alicerçada por seus diversos saberes artísticos. Izabel “morre na coxia” e resta – em personagem – absolutamente comprometida com a sua plateia “iluminada” (alguns suaves refletores estão direcionados para o público).

O esclarecimento na interpretação – narrativo e simbólico – é apresentado por meio de indiscutível técnica vocal e corporal. Um desfile de saberes. Por exemplo, antropologia teatral: equivalência, dilatação, assimetria, desequilíbrio, cintura escapular, pélvica etc. Espetáculo para reassistir defronte tantas matizes e minúcias. Impossível colher tudo em mero dia.

A “Cana” é construída em larga “afetividade” (sobreposição de sentimentos). Por outro giro, a dedicação em resgatar sua plateia de uma “inércia” real e simbólica é tocante. A direção acerta (e muito) por deixar em cena apenas a indispensável Izabel. É um “espetáculo artesanal e de atriz”. Não é possível saber daqui por onde andou a direção na formatação cênica, mas tudo está bem lançado à terra. Na direção de movimento, a personagem caminha para o seu destino. Não há percursos por distração. Tudo é “o” essencial.

A “Cana” articula – em coerente arco dramático – na energia vegetal, mineral e animal. O cenário é a vida contraditória, inerte, amorfa, repleta de vazios existenciais acomodados em “extensos cemitérios para poucas vidas”. Tudo entregue com vigor e empatia. A “Cana” não é panfletária e nem faz do palco palanque. “Sabe-se humana”, e uma cana que se sabe Cana é qualquer coisa menos cana (Bonder). Mais um acerto. O figurino caminha bem do utilitário ao final simbólico. A trilha sonora original está a serviço da obra e tem por mérito abrir ação, gerar pontuações e intensidades. O desenho de luz é cirúrgico, compromissado com as paisagens e temperaturas dramáticas. É luz de Teatro. Em verdade, “Solo da Cana” é obra de coxia. Tire um dia para assistir a luz; outro para o corpo artístico fervoroso da Izabel; outro para o dito; outros para o não dito. Lembrem-se: ator não é apenas o que ele fala, mas também o que ele pensa. E como Izabel bem fala e silencia. Impossível sair igual.

O Teatro é realmente um lugar perigoso. O texto – escrito pela atriz – é complexo: a confluência “cana-humano”; os aspectos sociais e políticos; a delicadeza na provocação-estímulo do levante da plateia; os resultados cômicos e frases emolduradas na memória resultam dramaturgia completa. Izabel bem carnavaliza o Teatro. O andamento e pulsação do espetáculo deslizam pertinentes. O importante silêncio da plateia é resultado da transferência da ação física à psicológica causada pelo impacto do “todo” Teatral. Por fim, a peça também tem por mérito o fato do “mutirão para fazer o solo” estar voltado à realização da mesma obra. As operações de som e luz são precisas. Ao fim do espetáculo, ouvimos (em bate-papo público) Izabel e confirmamos: a medida do artista é a medida do humano. A personagem é grande. O ser humano Izabel também o é.

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